Maria Teresa Couceiro Pizarro Beleza nasceu a 23 de Agosto de 1951, no Porto. É uma conhecida criminologista e professora de Direito Penal, sendo Professora Catedrática na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, onde ingressou em 1998 e onde exerce o cargo de Directora desde Março de 2009. É filha de José Júlio Pizarro Beleza e de Maria dos Prazeres Lançarote Couceiro da Costa.
Teresa Beleza iniciou a sua carreira académica licenciando-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. É Mestre em Criminologia pela Universidade de Cambridge e obteve o grau de doutora em Direito (Ciências Jurídicas, na área do Direito Penal), na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Tem-se dedicado à investigação e ensino nas áreas do Direito Penal, Criminologia, Processo Penal e no Direito das Mulheres e da Igualdade Social. Ensinou também na Faculdade de Direito de Lisboa (Universidade dita ‘Clássica’), na Universidade Autónoma, na Escola da Polícia Judiciária e na Academia Militar.
Foi vogal do Conselho Superior do Ministério Público, por designação do Ministro da Justiça, desde Dezembro de 1995 até Dezembro de 1999. Eleita por referência de Portugal para o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura (“CPT” do Conselho da Europa) por um mandato de quatro anos, entre 1999 e 2003. Desde 2002, Teresa Beleza representa a Universidade Nova de Lisboa no European Inter-University Centre (www.eiuc.org), com sede no Lido de Veneza, uma rede de 41 Universidades Europeias especializada no ensino, formação e investigação nas áreas dos Direitos Humanos e Democracia. Desde 2008 faz parte do respectivo Board of Administrators.
No campo do voluntariado, desempenhou durante cinco anos funções de Vice-Presidente do ‘Centro de Bem Estar Social da Paróquia de Nossa Senhora da Consolação do Castelo de Sesimbra’ (uma Instituição Privada de Solidariedade Social que recebe por dia cerca de 200 crianças) por nomeação de Sua Eminência o Bispo de Setúbal, D. Manuel, entre 1996 e 2001.
A dissertação de doutoramento, defendida em 1993, com o título Mulheres, Direito, Crime ou a Perplexidade de Cassandra define o seu pendor feminista não sem dar relevo a mulheres como Maria Lamas e àquelas que sofreram pelos seus direitos e clamaram pela liberdade que hoje respiramos.
No âmbito da sua actividade profissional na academia, criou a disciplina “Direito das Mulheres e da Igualdade Social” introduzida no elenco das “cadeiras de opção” da licenciatura em Direito da UNL que começou a leccionar no ano de 1998. O nascimento em Portugal desta especialidade académica – enquanto disciplina – tem duas razões de ser importantes. Uma, é o reconhecimento da necessidade do seu estudo autónomo, partindo da verificação da necessidade de um conhecimento transversal do Direito para compreender a dimensão jurídica do sistema social de relações de género, ou seja, a forma como se relacionam socialmente as pessoas identificadas social e juridicamente como homens e mulheres. A outra, é a existência comum desta área de ensino e investigação em muitas Faculdades de Direito – de uma forma mais óbvia no mundo anglo-americano – acompanhando a generalização dos Estudos sobre as Mulheres ou, mais recentemente, dos Estudos sobre Género (tradução da expressão “internacional” Gender Studies) [1].
Na Europa, terá sido a Universidade de Oslo a primeira a leccionar uma disciplina de Direito das Mulheres no curso de Direito em 1975, por iniciativa da professora Tove Stang Dahl, autora do livro com o título O Direito das Mulheres que Teresa Beleza traduziu e prefaciou. Em si, esta tese constitui “um seriíssimo argumento no sentido da relevância académica e teórica dos assuntos de que trata” [2].
Segundo António Manuel Hespanha[3], o Direito e toda a sua linguagem especializada, foi ao longo dos tempos um campo muito significativo para a compreensão da condição da mulher, com um fortíssimo impacto na vida quotidiana e nas normas jurídicas. Dos mesmos efeitos nos adverte Tove Dahl[4], quando se refere a algumas “relíquias do tempo” em que os políticos e os legisladores eram homens. Expressavam-se no masculino por uma questão de estilo mas não deixavam de criar padrões de comportamento e oferecer uma realidade social com expectativas limitadas para as mulheres e menores oportunidades para que as que obtinham posições de liderança na sociedade.
A discriminação sexual juridicamente relevante é, para a jurista norueguesa, a discriminação sexual no Direito, porquanto há normas jurídicas que expressamente tratam diferentemente homens e mulheres, como é o caso da lei do aborto[5] que discrimina com base no sexo porque aqui é a própria natureza que determina a sua aplicação. Segundo Tove Dahl “a decisão própria sobre a gravidez e a maternidade é um direito essencial.”[6], sendo que toda a abordagem feminista do Direito inclui sempre questões como a decisão da mulher, a autodeterminação e a liberdade de escolha, bem como o direito de maternidade,
Pelo seu carácter pedagógico e propulsor vejamos alguns aspectos que caracterizam o pensamento jurídico relativos à condição da mulher tal como Teresa Beleza os descreve. A propósito das responsabilidades parentais[7], questão que vem merecendo um amplo e profundo debate na nossa sociedade, e no qual Teresa Beleza mais uma vez assume notória solidariedade com as mulheres ao mesmo tempo que lança um olhar interpelador sobre essa realidade discriminatória e sobre os estereótipos que perduram na lei e na vida, neste mundo das desigualdades em que as mulheres ainda vivem.
Citemos extractos desse artigo:
“ A tradição do nosso sistema jurídico é a da superioridade dos homens sobre as mulheres, na esfera pública e privada. Ali, ela traduziu-se pela exclusão legal ou costumeira (do voto, dos cargos de governo ou decisão, pela proibição do exercício de profissões de autoridade ou sua representação, como a chefia no funcionalismo, a Magistratura ou a diplomacia); aqui, pela predominância absoluta da decisão do marido e pai nas decisões da vida familiar e na constante manutenção da menoridade da mulher, confinada ao governo doméstico e sistematicamente subordinada na família e em todas as ligações indirectas ao Estado. O Direito antigo declarou-a imbecil e incapaz (imbecillitas sexus) e não faltou quem defendesse essa incapacidade como uma forma de protecção e favor ao sexo feminino (Ruy Gonçalves, Portugal, séc. XVI). A tradição da Common Law não é, nestes aspectos das relações sociais de género na sua expressão jurídica, essencialmente diferente”.
(….)
“Quando a meio do século XX os grandes tratados e declarações internacionais de direitos começam a insistir na ideia de igualdade entre os sexos, fazem-no num contexto em que a grande maioria das mulheres no mundo está muito longe da plena cidadania, quer na esfera pública quer na privada. (…) As leis e os costumes sempre distinguiram várias categorias de mulheres: casadas, solteiras, honestas, desonestas (sexualmente falando) etc. Mas essa mesma distinção é sinal claro da hierarquização entre os sexos, porque os critérios de classificação e distinção são pronunciadamente diferentes, de par com a diferenciação de funções, vista como natural, se não de atribuição divina.
“Uma das constantes da divisão desigual de poderes e responsabilidades traduziu-se na sistemática preponderância das mulheres nos cuidados familiares – ou enquanto mães, ou noutra qualidade de parentes ou afins.
As mulheres foram tradicionalmente tidas como naturais cuidadoras de toda a gente e naturais responsáveis pelos trabalhos domésticos. Ainda hoje a divisão do trabalho familiar, mesmo em situações ditas de ‘duplo emprego’, i.e., de homem e mulher que trabalham de forma remunerada fora do lar, é profundamente desigual, segundo as estatísticas dos organismos internacionais. A ideologia da maternidade implica e perpetua uma naturalização do chamado instinto e amor maternais, que se prolongam muito para além do período do parto e de amamentação – quando exista – e tendem a legitimar uma expectativa de capacidade natural e simultânea obrigação de cuidar, como atributo feminino. (…)
“Uma das profundas alterações no discurso público e na prática legislativa que se produziram nos últimos anos foi, acompanhando a progressiva implantação da ideia da igualdade antropológica e moral dos ‘dois sexos’, a inaceitabilidade da violência nas relações entre ambos, que tradicionalmente significou a legitimidade de um poder de correcção doméstica do marido sobre a mulher (e do pai, ou pais, sobre os filhos).[8]
Este longo excerto ilustra a singularidade do olhar precursor de Teresa Beleza na área do Direito das mulheres, ou seja naquilo que mais as individualiza. A sagacidade e clarividência das suas teses é de uma grande pertinência para todas e todos quantos querem aprofundar a compreensão sobre o estatuto e o devir das mulheres neste tempo que é o nosso, porque o Direito em toda a sua dimensão afinal reflecte a ideologia dominante e só a custo e com luta subverte ou resiste à tradição.
Um Movimento como o MDM que acompanha a evolução e ou retrocessos nos direitos das mulheres como são o direito à igualdade, a maternidade, a igualdade salarial, mas também o direito à saúde, à habitação ou à educação, o direito a viver só e ter direito de escolha quanto à família que deseja ter, considera estes direitos sempre contextualizados no quadro da Constituição nascida e florescida com as experiências de Abril. Este Movimento ligado à vida, diremos, não pode deixar de conhecer as linguagens dos campos ideológicos que mais incidem e determinam a sua condição de mulheres. Importa-nos saber onde estamos, como e para onde vamos, num país onde a participação das mulheres no mundo do trabalho e na política, é das maiores da Europa, e onde as mulheres sempre estiveram e estão organizadas. Embora por vezes Teresa Beleza diga que esse movimento de mulheres deveria ser mais forte, a verdade é que ele existe e faz o seu caminho, caminhando.
O Direito é um desses territórios marcantes para a ideologia dominante, para além da Medicina ou da Religião. O que dizem os actuais textos jurídicos sobre as mulheres? Que atributos lhes consagram como mães? Como trabalhadoras? Como cuidadoras? Como cidadãs? Com que direitos, de facto, se pode ir mais longe na defesa da dignidade humana, e que poder e espaços são atribuídos às mulheres na sua relação com a vida, na família e na sociedade em geral, são questões problemáticas que Teresa Beleza procura acompanhar e que nos interpelam na nossa luta emancipadora.
Voltando à discussão em torno das responsabilidades parentais, e da sua aparente neutralidade, incita-nos Teresa Beleza à reflexão, pois, “Torna-se urgente a difícil tarefa de pensar como se entrecruzam as questões da chamada Igualdade de Género – que simplesmente quer dizer que as pessoas têm o mesmo valor legal e moral, face à Constituição e às leis, independentemente do seu sexo (ou até da sua identidade de género) – e da regulação das agora chamadas responsabilidades parentais”, que de certa maneira continuam a causticar as mulheres.
O entrelaçamento entre a investigação e estudo do Direito das mulheres com a prática do MDM, movimento democrático de mulheres com uma intervenção em todos os domínios da vida (do Pessoal e íntimo ao Politico), aproxima-nos da proposta de Teresa Beleza, absolutamente actual, já que as responsabilidades parentais determinam hoje, em muito, as difíceis condições laborais das mulheres e fazem perigar o ideal emancipador das mulheres portuguesas, sonho sonhado ao longo de 40 anos de itinerários traçados com Abril.
Teresa Beleza tem várias publicações em revistas da área do Direito Penal e Criminal. Aqui, damos relevo àquelas que versam a situação das mulheres ou as relações de Género no Direito, que são instrumentos fundamentais para a nossa reflexão.
- Mulheres, Direito, Crime ou a Perplexidade de Cassandra (dissertação de doutoramento, discutida em provas públicas em 6 de Janeiro de 1993) Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1993.
- Género e Direito: da Igualdade ao «Direito das Mulheres», in Themis, Ano I, nº2, Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2000.
- A Criação Normativa das Relações de Género, in Actas dos VII Cursos Internacionais de Verão de Cascais: Vol. 1 «Sexualidade na Civilização Ocidental», Cascais: Câmara Municipal de Cascais, 2001.
- Antígona no reino de Creonte: O impacte dos Estudos Feministas no Direito, in ex aequo (Revista da APEM, Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres), nº6, 2002.
- Sexualidade e lei: a liberdade sexual e os seus limites in A Sexologia, perspectiva multidisciplinar II, eds L. Fonseca, C. Soares e J. Machado Vaz, Coimbra, Quarteto, 2003.
- Anjos e monstros. A construção das relações de género no Direito Penal in ex aequo (Revista da APEM, Associação de Estudos sobre as Mulheres), 2004
- Constituição e Androginia: Matrix Reloaded? N.º especial da Thémis “30 Anos da Constituição da República Portuguesa”
- Violência Doméstica Revista do CEJ, Número especial sobre a Reforma do Código Penal, 2008 “Human Rights Guidelines. From the Constitution to Sugar Bags” Teresa Pizarro Beleza and Helena Pereira de Melo in 60 Years of the Universal Declaration of Human Rights in Europe, eds Vinodh Jaichand and Markku Suksi, Intersentia, Antwerp, 2009. “Of Bodies and Souls: Legal Issues of Human Cloning” Teresa Pizarro Beleza and Helena Pereira de Melo in Liber Amicorum José Sousa Brito, Coimbra, 2009.
- Carolina e o Voto. In: Carolina Beatriz Ângelo, Intersecções dos sentidos / palavras, actos e imagens, Dulce Helena Pires Borges (ed.), Instituto dos Museus e da Conservação /Museu da Guarda, Guarda, 2010
- Da Fogueira Ao Registo Civil – A Regulação Jurídica Da Intimidade. Prefácio a São José Almeida: Homossexuais no Estado Novo, Sextante Editora, 2010
- Direito das Mulheres e da Igualdade Social – A Construção Jurídica das Relações de Género. Edições Almedina, Coimbra, 2010
- Prostituição, lenocínio, HIV – A regulamentação da actividade de trabalhadoras do sexo (Teresa Pizarro Beleza e Helena Pereira de Melo) HIV/AIDS Virtual Congress O VIH/SIDA e o Direito, Vítor Duque e André Dias Pereira (ed.s) SIDAnet, Associação Lusófona e Metatexto, Santarém, 2010
- Discriminação e contra-discriminação em razão da orientação sexual no direito português, Teresa Pizarro Beleza e Helena Pereira de Melo, Revista do Ministério Público, Ano 31, Julho / Setembro 2010
[1] Teresa Pizarro Beleza, Direito das Mulheres e da Igualdade Social. A construção jurídica das relações de Género. Almedina, Coimbra, 2010.
http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/cv/TPB_CV_221_TPB.CV.Jun2011.resumo.pdf
[2] Tove Stang Dahl, O Direito das Mulheres. Uma Introdução à Teoria do Direito Feminista, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1993.
[3] António Manuel Hespanha, El estatuto jurídico de la mujer en el derecho común clásico, 2003 www.amh.pt
[4] Tove Stang Dahl, ibidem, p. 51.
[5] Ibidem, pp.51, 53, 54. A Lei norueguesa da IVG data de 13 de Junho de 1975.
[6] Ibidem, p.143
[7] Teresa Beleza, Igualdade de género, responsabilidades parentais e ‘superior interesse da criança, 2011. A expressão ‘poder paternal’ foi precludida, justamente dado o seu carácter de expressiva condensação de uma ideologia patriarcal, hoje contestada mas bem firmada na nossa tradição jurídica e civilizacional.
[8] A doutrina e a jurisprudência aceitaram a sua existência, de forma expressa, até pelo menos o meio do século XX. De forma subliminar, até muito mais tarde, como é visível nos sucessivos Acórdãos dos Tribunais da Relação que inviabilizaram a aplicação do art. 153º do Código Penal de 1982, na sua versão originária que, pela primeira vez, criminalizou autonomamente os ‘maus tratos entre cônjuges’ (Teresa Beleza, ibidem)