Na história dos movimentos de mulheres, as lutas feministas e femininas estiveram sempre ligadas às lutas do povo – pela paz, pelo direito ao voto, pela educação das crianças e das mulheres, pelo direito ao trabalho. Assim foi com a Liga Republicana de Mulheres, liderada por Ana de Castro Osório, embora marcada por uma preocupação contraditória e elitista quando esta defendia aguerridamente e, justamente, a educação para as mulheres mas condenava, por exemplo, a greve das conserveiras de Setúbal que lutavam pelo aumento de salários.
Assim foi com a Associação Feminina de Propaganda Democrática, resultante de uma cisão da Liga, sob a direcção de Maria Veleda. Esta associação teve a sua sessão inaugural em 1 de Janeiro de 1916, mas teve duração efémera, extinguindo-se em Julho do mesmo ano. Maria Veleda, tendo pertencido também à Liga, distanciou-se de Ana de Castro Osório. Mais preocupada com o estatuto e as condições de vida das mulheres trabalhadoras, preconizou uma outra maneira de entender a questão feminina. Para a igualdade entre os sexos e a emancipação das mulheres, Veleda defendia que as questões económicas eram a questão fundamental pela qual as mulheres tinham que lutar.
De uma nova cisão da Liga, nasce o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP) em 1914, com Adelaide Cabete como presidente que segue uma via de maior ligação às questões sociais. Depois de algum intervalo em que é o CNMP quem lidera o movimento das mulheres progressistas, no limiar da 2ª Guerra Mundial, em 1936, nasce a Associação Feminina Portuguesa para a Paz, congregando mulheres que lutam pela Paz e pelos direitos das mulheres. Francine Benoit, Maria Isabel Aboim Inglez, Manuela Porto, Maria Alda Nogueira, Laura Lopes, foram algumas das mulheres que integraram esta organização e que vieram a fundar o MDM – Movimento Democrático de Mulheres e a pertencer ao Conselho Nacional, seu órgão máximo.
O CNMP mantém uma vida irregular até que em 1945 assume uma mais enérgica intervenção com algumas destas mulheres, mas particularmente quando Maria Lamas, no cargo de Presidente, relança o movimento no plano nacional chamando mulheres e jovens de vários estratos sociais. Organizador de várias iniciativas de grande alcance envolvendo largas franjas de mulheres, faz temer o regime fascista que em 1947 determina o seu encerramento.
Maria Lamas que veio a ser Presidente Honorária do MDM e muitas outras foram as grandes resistentes na luta antifascista integrando sempre nesse combate a promoção e os direitos das mulheres. A fundação do MDM, em 1968, congrega estas mulheres lutadoras pela paz, pela liberdade, pelo pão. E acima de tudo pela dignificação das mulheres que tinham então um estatuto jurídico, social, económico e político de subalternidade e menoridade.
Desde a sua criação em 1968, numa assembleia na Padaria do Povo em Lisboa, o MDM edifica-se sobre uma estrutura flexível e maleável, que procura criativamente recursos próprios para a sua permanência de acordo com os Estatutos que foram sendo adequados às mudanças da vida. É uma organização que cresceu, ciclicamente, em torno de acontecimentos significativos. Significativos e marcantes pelo tempo em que ocorreram, pelo espaço que ocuparam, pelas mulheres que congregaram a sua atenção numa luta irresistível contra a opressão e a discriminação.
Assim foi no 1º Encontro Nacional do MDM, na Cova da Piedade, a 21 de Outubro de 1973, e em tantos outros que se seguiram já em liberdade, numa inesgotável determinação de fazer um mundo novo. Neste encontro participaram 250 mulheres. Foi presidido por Luísa Amorim, Helena Neves e Berta Monteiro e por representantes de Lisboa, Porto, Coimbra e Castelo Branco. No caderno reivindicativo exigia-se a libertação de mulheres presas políticas, o fim das discriminações das mulheres no trabalho, a implementação do parto psico-profiláctico, denunciando também as desigualdades na educação, reclamando o direito à realização do aborto legal em condições que preservassem a saúde da mulher.
E chega Abril e com ele o MDM abre as portas. São muitas as mulheres que se abeiram e se articulam para intervir na sociedade. Em 23 de Junho de 1974 realiza-se um Encontro Interdistrital em Lisboa, na sede da Comissão Distrital de Lisboa do Movimento, na Rua Artilharia Um. Nele estiveram representados onze distritos e mais do que um concelho por distrito.
As mulheres começaram a tomar a palavra política. Maria Luísa Costa Dias apresentou os dados para discussão e análise da situação política e as consequentes linhas de orientação para o Movimento a que se seguiu um aprofundado debate de ideias. O MDM fervilhava. As mulheres chegavam e não paravam de querer avançar nas suas terras, com a alfabetização, com a criação das infra-estruturas, pela mobilização das mulheres, pelo direito à igualdade.
A 12 de Outubro de 1975 tem então lugar o 2º Encontro Nacional do MDM, sob o lema “Mulher: Portugal novo também é teu filho”, no Liceu D. Filipa de Lencastre, em Lisboa, presidido por Maria Lamas, Luísa Amorim, Fernanda Gonçalves, Esmeralda Costa, Ana Rosa Pardal, Isabel Hernandez e Margarida Carmona. Numa grande convergência com o programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), nele participa o comandante Ramiro Correia que fez uma intervenção sobre “A Mulher na Revolução”. Uma Moção, aprovada por unanimidade e enviada ao Presidente da Assembleia Constituinte, revelava uma das preocupações do MDM na altura. Veja-se o seu teor: “Mulheres, reunidas no II Encontro Nacional do MDM, em 12 de Outubro de 1975, protestam contra o facto de não ter sido aprovada, até este momento, na Assembleia Constituinte, qualquer medida referente à igualdade de direitos entre a mulher e o homem, a ser incluída no texto da futura Constituição”.
É neste Encontro que, por unanimidade, é deliberado atribuir o cargo de Presidente honorária do MDM a Maria Lamas. Os primeiros Estatutos do MDM são aí provados. A escritura dos primeiros Estatutos do MDM foi feita em 23 de Janeiro de 1976 e assinada por Maria Lamas, Maria Alda Nogueira, Maria Esmeralda Cardoso da Costa, Isabel Hernandez e Luísa Amorim.
Mais maduro e cimentado, ocorre a 15 de Maio de 1977, o 3º Encontro Nacional do MDM, com o lema “A Força de ser Movimento, a Razão de ser Democrático e a Alegria de ser Mulher”, no Instituto Superior Técnico em Lisboa. Aí, funcionaram cinco grupos de trabalho com uma participação de 2 000 mulheres e foi aprovada a 1ª Carta dos Direitos da Mulher.
Seguiram-se os Congressos para a eleição dos corpos dirigentes. Em 1980 realizou-se o I Congresso do MDM – “Unidas para fazer de Abril certeza”. Estiveram presentes 700 delegadas de organizações do MDM de catorze distritos e da emigração (Holanda e RFA), para além das convidadas e convidados que encheram o Pavilhão dos Desportos em Lisboa nos dias 12 e 13 de Abril.
Em 19 e 20 de Maio de 1984 realiza-se o II Congresso do MDM, sob o lema “Mulheres em Movimento pela Igualdade e a Paz”, no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa, que reuniu 900 congressistas, representantes de todas as organizações distritais do MDM e inúmeros convidados e convidadas.
Em 29 e 30 de Outubro de 1988, o III Congresso do MDM decorre sob o lema “Mulher Futuro” e o subtema “Ousar a Igualdade, exigir o desenvolvimento e agir pela Paz”. Este Congresso teve lugar na Aula Magna da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa, com 445 associadas dos diferentes núcleos da organização. Exige-se, então, o reconhecimento público “do estatuto das associações de mulheres, o reconhecimento da força organizada das mulheres e o reconhecimento como parceiros sociais com direito a uma participação e intervenção na definição da política global, sectorial e local da condição feminina”.
Outros Congressos se foram realizando: Em 30 e 31 de Maio de 1992 tem lugar o IV Congresso do MDM na Aula Magna do Instituto Superior de Ciência do Trabalho e da Empresa, em Lisboa, com o lema “A Vida exige. Nós reclamamos. Igualdade de direitos! Participação das Mulheres!”
O V Congresso do MDM realiza-se em 11 e 12 de Maio de 1996, na Aula Magna do Instituto Superior de Ciência do Trabalho e da Empresa, em Lisboa, com o lema “Até ao ano 2000 assegurar a igualdade no respeito da diferença”.
E, em 3 e 4 de Junho de 2000 tem lugar o VI Congresso, com o lema “A força de ser mulher”, no Centro Cultural dos Congressos, em Aveiro. Propunha-se agir pela mudança, como um desafio para o novo milénio e também, no ano da Marcha Mundial de Mulheres contra a pobreza e a violência, instava-nos a exercer os direitos e participar para construir uma vivência em igualdade.
No ano de 2005, a 21 e 22 de Maio, realiza-se o VII Congresso, com o lema “Da memória ao sonho, pela igualdade e pela paz”, no Fórum Lisboa, onde estiveram 400 participantes discutindo em painéis as questões ligadas ao seu quotidiano de trabalho e às políticas europeias com influência nas vidas das mulheres.
O VIII congresso data de 2010, tendo-se realizado nos dias 15 e 16 de Maio na Voz do Operário, em Lisboa. Decorreu sob o lema “Em movimento – Sonhar e viver melhor, mulheres pela igualdade” onde se discutiram questões como a globalização e a degradação social, as políticas de igualdade no plano internacional e se aprovou uma importante Declaração às Mulheres Portuguesas.
O IX Congresso decorreu a 25 de Outubro de 2014, no Fórum Lisboa sob o Lema “ Pelos Direitos e Dignidade das Mulheres – A Urgência de Lutar por Abril.
Em todos os congressos e encontros foram eleitos os órgãos de direcção estatutários e neles sempre se aliou a força das ideias e da palavra à alegria da cultura, da poesia e do canto, à diversidade de organizações internacionais e à diversidade das suas expressões de luta mas também pela dança, pelo teatro, pela música. Lado a lado, com a manifestação, o repúdio e a denúncia das políticas de direita, sempre houve o apelo e a proposta de medidas políticas justas protagonistas de melhorias na vida e no quotidiano das mulheres.
Entre Congressos, para reflectir sobre questões sectoriais, regionais ou locais, realizaram-se Assembleias, Encontros e outras iniciativas abertas a mulheres de muitas frentes de luta, que foram modos de construir muitas relações e aumentar a adesão ao Movimento. Poderíamos dizer que a história do MDM se faz com muitas lutas, muitas convergências, muitas pontes. É uma história, cheia de estórias e acontecimentos, que poderia ser representada e cartografada no grande atlas dos direitos das mulheres – do pessoal, ao económico e ao social, mas sempre com sentido político e vivido com uma multiplicidade de afectos a cimentar a acção colectiva.