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MDM realiza conversa “Mulheres da Marinha Grande – Fragmentos de vidas, de resistência e de luta

No dia 28 de Setembro de 2021 teve lugar no Museu do Aljube – Resistência e Liberdade uma iniciativa do MDM em parceria
com o Museu. A conversa “Mulheres da Marinha Grande – Fragmentos de vidas, de resistência e de luta “ foi inspirada nos muitos
testemunhos de mulheres marinhenses que constam do livro “Mulheres da Marinha Grande – Histórias de luta e de coragem”, de Júlia Guarda Ribeiro, lançado pelo núcleo do MDM da Marinha Grande e que foi um contributo para que não se perdesse a memória e se desocultasse o importante papel das mulheres da Marinha Grande no combate à opressão da ditadura fascista e por direitos fundamentais na vida e no trabalho (livro que contou com o apoio da Câmara e Junta de Freguesia da Marinha Grande) e nos testemunhos de algumas mulheres da Marinha Grande recolhidos em vídeo no âmbito deste trabalho de parceria entre o MDM e o Museu.
A conversa, conduzida por Ana Souto, membro da Direcção Nacional do MDM, contou com Alda Sousa – Marinhense, operária da indústria vidreira (empresa garrafeira, Santos Barosa), activista do MDM (dirigente do núcleo da Marinha Grande) -, Etelvina Ribeiro – Marinhense, operária da indústria vidreira (empresa de Cristalaria Manual, Manuel Pereira Roldão), dirigente do sindicato dos  trabalhadores da indústria vidreira, pertence à Direcção Nacional do MDM, e com Júlia Santos – Marinhense, operária da indústria vidreira, activista do MDM.
Júlia Guarda Ribeiro – Professora, activista do MDM e autora dos textos e recolha dos testemunhos do referido livro, não pôde estar presente.

No seu testemunho diz ainda Cremilda Galo Gomes: “Os homens naquele inferno sofreram horrores. (refere-se ao Tarrafal para onde foi enviado seu namorado por quem esperou 14 anos – mas não é menos verdade que nas outras prisões se passavam horrores).
Mas as mulheres sofreram com eles. Ah! O sofrimento das mulheres! Era como se um animal feroz nos rasgasse e ali ficámos, em carne viva. Que coragem a de tantas mulheres! Tiveram de trabalhar para criar os filhos, tiveram de sobreviver para esperar os maridos. E é tão raro ouvir-se falar da sua coragem e da sua luta. …
Nas cidades, vilas e aldeias vizinhas, como em todo o país, a situação de muitas mulheres não era muito diferente e isso esteve presente no testemunho em vídeo de Esmeralda Serrão, da Nazaré, que vive desde há muito na Marinha Grande e de Júlia Santos, marinhense, operária fabril.
A vida era muito dura! – dizem frequentemente as mulheres – levavam uma vida de extrema dificuldade, acrescida muitas vezes pelo facto dos companheiros ou filhos ou pais estarem presos. Eram interventivas, prontas para a solidariedade, continuar a lutar no bairro, no local de trabalho, na colectividade. E disso nos falou Alda Sousa e Júlia Santos, dessa dureza da vida das mulheres, do seu dia a dia, em casa, com os filhos, quando as mulheres tinham de lutar sozinhas (porque os companheiros eram presos).

“… a Liberdade tem um custo muito elevado, mas não ser livre é sufocar em vida”

A frase retirada do relato de Marília Aura Paula Veloso, que consta do livro, foi o mote para o início de conversa. Uma frase que diz muito sobre a luta travada e as consequências que acarretou. É de luta pela Liberdade, uma luta longa e firme contra a opressão e o fascismo, contra a miséria e a fome, por melhores condições de trabalho e de vida que se faz a história da Mª Grande, permanecendo até hoje o 18 de Janeiro de 1934 como um acontecimento único, exemplo das fortes acções de luta que se fizeram.
“Nessa luta foram presos, torturados, por vezes até à morte, (deportados), os melhores filhos desta abnegada terra”.
Foi lembrado que com o aumento da luta dos operários vidreiros aumentou a repressão e quando em 1936 foi criada a colónia penal do Tarrafal, dos 136 presos políticos que para aí foram, 57 eram marinhenses. Ao longo dos anos muitos foram os que estiveram entre estas paredes, então prisão do Aljube, em Peniche, em Caxias para onde também eram enviadas as mulheres. (ou noutras, no Porto ou deportados em Angra do Heroísmo)

“Infelizmente, por motivos trágicos, os nomes dos homens foram conhecidos: falou-se deles. Escreveu-se sobre
eles: a sua luta, o seu sofrimento, a sua coragem. Mas, e as mulheres? Quem falou delas? Terá o seu sofrimento sido menor que o dos homens?”

Falou-se de palavras como miséria, fome, desemprego (principalmente a seguir à guerra ou quando regressavam das prisões e viam as portas fecharem-se e que faziam parte da vida das pessoas.
Mas a palavra solidariedade também esteve presente na conversa, sendo lembrados alguns testemunhos que constam no livro – “Sabiamos que havia presos em Peniche com frio e fome. Na fábrica fazíamos um grupo. Éramos quatro. Fomos à loja e comprámos roupa. Pagávamos um x por semana. Pagámos sempre, mas isso era coisa de mil e um segredos” (Alda Torneira).
Nessa altura fazíamos Teatro para angariar fundos,….. Nós íamos pedir…. não podíamos ir de porta em porta. Só aquelas pessoas de confiança que sabíamos que não nos iam denunciar” (Esmeralda Serrão) Falou-se que a vida das mulheres e dos homens era muito dura, mas também das crianças que não tinham tempo para ser meninos que trocavam os bancos da escola pelo trabalho duro nas fábricas.
Que as mulheres não eram mão de obra qualificada e por isso faziam qualquer tarefa – eram empalhadeiras, carregadoras, embaladoras, gravavam o vidro mas também noutras fábricas sem ser do vidro ou trabalhavam a terra.
De como era o dia a dia na fábrica e as lutas que travaram por melhores condições de trabalho, por melhores salários. E como diz Alda Torneira no seu testemunho no livro “…a luta não foi de um dia, nem de um mês – Foi uma luta de anos”.
Falou-se da luta das empalhadeiras (Maio 1958) –e da ida ao sindicato ao serviço dos patrões e conivente com a pide; da greve em Março de 1974 pelo aumento do salário, do sucesso alcançado e da importância do papel que as mulheres assumiram nesta greve.
Das condições de trabalho das mulheres Marinha Grande e das várias lutas travadas ao longo de muitos anos, do papel dos sindicatos de então, do legado que deixaram as lutas dos operários e operárias da Marinha Grande, das conquistas alcançadas a seguir ao 25 de Abril, das condições de trabalho das mulheres hoje – a desigualdade salarial e a conjugação com a vida familiar, falou-nos Etelvina Ribeiro.

Mas a alegria vivida com o 25 de Abril não podia ser esquecida na conversa.
Cremilda Galo no seu testemunho, no livro, diz “Quero só dizer que a manhã de Abril, abri a janela e por ela entrou o sol e a liberdade… para mim, daí em diante haveria sempre sol, mesmo em dias de chuva ….a nossa alegria era imensa. Esqueci a raiva, o desespero e a revolta.”
E, a propósito de como viveram e se viveu na Marinha Grande o 25 de Abril e o 1º de Maio nos falaram Alda Sousa, Júlia Santos e Etelvina Ribeiro.
Uma conversa que teve a pretensão de lembrar que “ mesmo que a História remeta as mulheres tantas vezes para o esquecimento, há um património de ousadia, persistência e luta das mulheres contra o fascismo, por melhores condições de vida, pela paz e pela liberdade”.
E assim se terminou a conversa com mais algumas palavras, lembrando que nos dias de hoje o mundo, em geral, está cada vez mais injusto, desigual, instável e violento, e que a situação das mulheres conhece revezes e retrocessos nas suas condições de vida, na situação económica e social, nos seus direitos.
Que estamos numa época em que se assiste em todo o mundo, e também em Portugal a um violento ataque às liberdades, aos direitos e à democracia com o avanço da extrema-direita, o ressurgimento do fascismo é uma ameaça real.
Que não podemos esquecer que não há direitos garantidos, apesar dos avanços conseguidos após o 25 de Abril. Por isso, para o MDM, é fundamental dar a conhecer exemplos de mulheres que abnegadamente lutaram pela liberdade, num Portugal oprimido e obscurantista, mas também como a sua luta contribuiu para a conquista de direitos, para a consciencialização da necessidade de lutar por esses direitos, é um contributo para que prossiga a luta contra as forças obscurantistas, em defesa da democracia, na conquista e defesa dos direitos das mulheres. Conscientes de que nunca é uma luta acabada.
Lembrar que nos regimes fascistas, nos regimes de opressão as mulheres são sempre das primeiras a ver os seus direitos limitados, são sempre as que mais perdem, relegadas para um estatuto de inferioridade.
Por tudo isto, a Luta das mulheres pelos seus direitos, em defesa da sua dignidade continua a ser imprescindível!
Não podemos dar tréguas ao fascismo!

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