INTERVENÇÃO DE REGINA MARQUES NO III ENCONTRO PELA PAZ
Caras e caros companheiros
Em nome do MDM saúdo o CPPC e demais organizações promotoras do III Encontro da Paz. Saudamos todas as participantes, convidados e convidadas.
A luta pela paz está no nosso pensamento e é uma preocupação quotidiana. Qual o nosso papel como força social organizada? Que convergências podemos fazer para ampliar a nossa voz e a nossa inquietude face aos horrores das guerras? Que mundo nos espera? E em que mundo queremos viver? São perguntas não retóricas e que temos que responder questionando-nos sempre face a tantas incertezas que temos pela frente.
Vivemos uma crise económica, social e financeira que se reproduz e se agrava com a grave deterioração ecológica, o aumento dos fluxos migratórios descontrolados, o agravamento dos conflitos regionais e Internacionais. Assistimos à recomposição geopolítica de forças que recusam a hegemonia dos EUA, num cenário de graves ameaças à paz, de crescente corrida armamentista, de agudização das contradições entre países e centros de poder. Sem definição clara é já uma rearrumação de forças que atemoriza quem sempre se julgou dono do mundo.
Enraivecido, estrebucha por todos os lados, com resultados imprevisíveis.
A hegemonia política e militar também pretende incidir na situação das mulheres. Num momento em que as forças dominantes no plano mundial tudo fazem para desviar a atenção dos problemas centrais da humanidade, criar mitos e mercantilizar aspectos da vida das mulheres, o nosso combate pela dignidade, é determinante e tem de ser lúcido.
A cada dia que passa a feminização da pobreza torna-se mais visível, as mulheres e as meninas são as mais afetadas pelas crises financeiras, pelas guerras, pelos desaparecimentos forçados, pelas migrações, pelo tráfico de seres humanos, pela violência sexual, pelos feminicídios – afectadas pelo desrespeito pelos seus direitos humanos.
O militarismo joga com os direitos das mulheres na sua acção manipuladora. O mundo conhece as violações e violências a que as mulheres são sujeitas em todos os conflitos armados onde as violações sexuais são usadas como armas de guerra.
O MDM tem dado voz à solidariedade internacional, contra os bloqueios e sanções, impostas pelos EUA e União Europeia que de há décadas recaem agressivamente sobre o povo de Cuba, sobre a Venezuela e muitos outros.
Temos dado voz ao ativismo com vários países e organizações de mulheres em luta. Pelas questões da Paz e dos direitos das mulheres. Pela defesa de uma cultura de não violência sobre as mulheres e contra o trafico de mulheres para fins de exploração sexual e prostituição.
Pela defesa do direito ao trabalho com direitos como questão central no projeto de vida das mulheres de todas as idades, contra o neocolonialismo e as tentativas de obstruir o desenvolvimento e a soberania dos povos. Contra o sionismo do Estado de Israel e todas as agressões sobre crianças e ativistas mulheres e homens do Estado da Palestina.
Nos últimos tempos, a Guerra na Ucrânia gerou a nossa indignação e arrepio.
Iniciada nos anos 2014, com o genocídio de russófonos e casas de sindicatos incendiadas, cujas imagens ainda nos chocam, a proibição de partidos políticos, e apelos ao ódio e à xenofobia, já fez milhares de mortes e deslocados e provocou a destruição massiva de instalações civis, desde fevereiro do ano passado.
Não se vislumbra nem vontade nem capacidade de negociação e continua o superlativo discurso da guerra, do apelo insano ao fornecimento de armamento.
Aqui, o cessar-fogo e as negociações são urgentes e exige-se que se ponha fim a esta escalada de guerra que, sendo na Europa, extravasa largamente este território.
O imperialismo e suas agências comunicacionais atribuem à guerra da Ucrânia todos os males do mundo. A crise económica, a crise alimentar, as crises climáticas ou o aumento da pobreza, a falta de petróleo, gás e cereais. Todos os dias os ecrans nos dão a destruição, os refugiados e deslocados – mormente mulheres e crianças forçadas a sair das suas casas.
No quadro das guerras do nosso tempo, importa ainda trazer à memória as guerras que ocorreram do Afeganistão, Líbia, Iraque, só neste século XXI da responsabilidade directa dos EUA e envolvimento da NATO e seus aliados com milhões de deslocados e milhões de vítimas que perderam vidas e bens.
Falemos da NATO, essa força “invisível” e que está em todo o lado, sempre que há conflito. É uma força agressiva e não defensiva, como se apregoa muitas vezes entre nós. Na Cimeira de Bruxelas de 2018 a NATO decidiu reforçar a sua capacidade de dissuasão e defesa, ampliar astronomicamente os gastos, criar comandos militares para apoio logístico, unidades de defesa cibernética e de luta contra “ameaças híbridas”. Dando continuidade a décadas de política belicista, continua a incrementar a sua estratégia de confrontação e guerra e o prosseguimento do aumento significativo das despesas militares, sendo que os 30 países que integram a NATO são já responsáveis por mais de metade das despesas militares no mundo.
A NATO, já não conhece fronteiras, deixou de ter a sua vocação atlântica inicial, alargou e pretende instalar mais armamento e bases militares em territórios da Europa de Leste, do Médio Oriente, da África, da América latina, da Ásia. Procura estender os seus tentáculos por todo o planeta, com mais rapidez e uma intervenção militar extensiva a todo o tipo de problemas emergentes, conflitos sociais, ambientais e políticos. Para isso tem vindo a ampliar o seu conceito estratégico que lhe permite intervir militarmente, com armamento sofisticado, em qualquer conflito social ou ambiental, sustentadas nas tecnologias de ponta.
À crescente militarização e implantação de bases militares em vários países, a par da guerra económica e financeira, as forças da guerra desenvolvem uma tenebrosa guerra mediática e comunicacional assente em falsas noticias, manipulação e deformação dos factos.
Em nome da “Democracia e dos Direitos humanos” fomentam e apoiam guerras sempre que lhes convém.
Mas em que mundo estamos? Estamos num mundo profundamente desigual e desumano. Segundo o relatório do PNUD de Outubro de 2023) mais de mil milhões de pessoas vivem na pobreza com dificuldades no acesso à saúde, educação, água potável, entre outros. No que se refere à crise alimentar sabemos que não é uma crise de hoje. Ela vem de antanho. As sanções e a guerras limitam hoje o envio de cereais para os países pobres. Porém, não se diz que toda a atividade agrícola tem sido entravada pelos conflitos armados nos países africanos e particularmente nos mais pobres.
Milhões de pessoas deslocadas deixaram de trabalhar os campos. Segundo estudos levados a cabo em França (Sylvie Rantrue; publicados em Maio de 2022) sobre a crise alimentar na região do Sahel, a malnutrição aumentou vertiginosamente de há 4 anos para cá atingindo 38 milhões de pessoas.
Ainda, segundo recente Relatório do ACNUR há cem milhões de pessoas em fuga no mundo.
O número de refugiados a nível global continua a aumentar. O número de refugiados que, desalentados, rumam à Europa na ânsia de sobrevivência não para de aumentar. A engrossar também o número de vidas perdidas no mar mediterrâneo, que é hoje o maior cemitério transfronteiriço. Tudo isto, no quadro de uma União europeia a 27, com uma notável incapacidade de dar resposta, ainda que sempre ciosa de dar lições ao mundo.
No entanto, nos doze meses do ano passado, houve no mundo um brutal investimento nos gastos militares, com um aumento de 2,6%. A NATO decidiu um crescente aumento dos financiamentos a que todos os países membros são obrigados (2% do PIB). Desde 1988, nunca foram destinados tantos recursos para gastos militares. Um verdadeiro recorde tanto no século XXI como desde o fim da Guerra Fria.
Para além das guerras estritamente militares ( que já não existem!) assistimos a uma verdadeira guerra económica com o objectivo de estrangular economias e destruir governos e políticas incómodas ou adversas.
As sanções económicas e financeiras impostas a países independentes ao arrepio do direito internacional são verdadeiras armas de guerra absolutamente desproporcionadas.
As guerras climáticas, a procura do domínio de grandes aquíferos e de recursos minerais por parte de grandes multinacionais, associadas ao alargamento da zona de influência da NATO, aprovada na Cimeira de 2010, e o seu reforço militar com o aparecimento de novas bases militares como formas de controlar a água em continentes como a África, América do Sul, Médio Oriente, são também ameaças à Paz e à sobrevivência dos povos.
Porém, os povos estão a acordar. Manifestações engrossam o clamor pela paz nas ruas das grandes capitais europeias, incluindo nas cidades portuguesas. Crescem também na Europa e no mundo as forças amantes da paz. É cada vez mais unânime que a nossa sociedade precisa de desarmamento, diplomacia e cooperação, investimento em cuidados de saúde, serviços sociais e medidas para evitar as alterações climáticas. São necessárias medidas de criação de confiança e cooperação económica e política, para garantir uma paz justa e duradoura.
As forças militaristas jogam no terror, no medo, no aumento da fome e das violações como armas de guerra. Nós jogamos nas relações de cooperação e amizade, no diálogo e respeito pelo Outro para a resolução dos conflitos nacionais ou internacionais.
Pugnamos pelo desarmamento e respeito pelos tratados de não proliferação de armas nucleares, e todas as convenções que impedem o uso de armas biológicas e químicas.
Ao tempo deste nosso III Encontro estamos confrontadas com um agudíssimo conflito israelo-palestiniano, que outros aqui trarão com detalhe, mas que nos impomos neste espaço não esquecer. Somos todas
palestinianas. Somos todas faixa de gaza.
Sempre denunciámos solidariamente a situação das mulheres da Palestina e condenámos a política sionista de Israel e a sua política de extermínio do povo palestino.
O actual conflito Israel Palestina (na faixa de Gaza) exige de nós muito mais. Muito perigoso pelas suas imprevisíveis consequências exigimos um cessar-fogo imediato e o direito à ajuda humanitária de um povo em sofrimento de há décadas O MDM unirá esforços na batalha pela paz e a emancipação dos povos indissociáveis da igualdade na lei, mas também indissociáveis da igualdade na vida.
É esse o Sonho que nos alimenta face a esta escalada de terror e destruição.
¡Que a voz das mulheres se ouça em todo o mundo!
E porque a guerra israelo-palestina está no centro da actualidade, trago para finalizar a palavra de uma mulher, desta feita, a rainha da Jordânia em entrevista recente a uma estação de televisão (CNN) Internacional.
"A guerra nunca parou, é uma história com 75 anos"… porquê “a grande fixação no Hamas quando o conflito israelo-palestiniano já dura há 75 anos”. “Esta é uma luta pela liberdade e pela justiça”, em entrevista 2023-10-25 por Sana Noor Haq e Claire Calzonetti, CNN.
" Quando o dia 7 de outubro aconteceu, o mundo apoiou imediata e inequivocamente Israel e o seu direito de se defender e condenou o ataque… Mas o que estamos a ver nas últimas semanas é o silêncio no mundo", prosseguiu. "O silêncio é ensurdecedor e, para muitos na nossa região, torna o mundo ocidental cúmplice".
A solução de dois Estados para estabelecer uma Palestina "livre, soberana e independente" é o único caminho para a paz na região”, e acrescentou Rania "Só quero lembrar ao mundo que as
mães palestinianas amam os seus filhos tanto quanto qualquer outra mãe no mundo" e acusa o Ocidente de “flagrante duplicidade de critérios” por não condenarem a morte de civis sob bombardeamento israelita em Gaza, à medida que o número de mortos aumenta na Faixa de Gaza.
Esta sim, uma mulher de poder, que o usa sem medo das palavras, cúmplice com o sofrimento das mães de ambos os lados mas . Uma mulher poderosa, ligada à história de vida das mulheres árabes, sensível, que mostra que estando no poder o exerce sem ambiguidades.
O MDM exige o fim das políticas belicistas, da corrida armamentista, das armas nucleares, das sanções e dos bloqueios, das ingerências e agressões contra outros países. Pugnamos por um modelo de desenvolvimento que respeite os povos e as suas escolhas, os direitos à integridade física das mulheres, e apelamos a uma ética de direitos humanos inserta num modelo plural que respeite a autonomia e autodeterminação dos povos.
Somos uma força social de luta e de paz contra todos os retrocessos na vida e nos direitos das mulheres.
Este III Encontro que decorre sob os auspícios das comemorações dos 50 anos da Revolução de abril que pôs fim a 48 anos de fascismo, incluindo a 13 anos de guerra colonial, é já um marco na luta histórica do nosso povo pela paz e um importante propulsor da unidade das forças vivas amantes da paz, da liberdade e do progresso social, onde o MDM se incluí.
Viva o 25 de Abril, Viva a Constituição de abril
Viva o MDM. Viva o III Encontro da Paz
Vila Nova de Gaia, 28 de Outubro de 2023