Nascida em Lisboa em 19 de Março 1923, Maria Alda Nogueira morre em 5 de março de 1998. Filha de pais operários, mãe costureira e pai serralheiro mecânico. Termina a licenciatura em Ciências Físico-Químicas em 1945-1946. Exerceu a docência e investigação nessa área. Trabalhou durante três anos na Escola Alfredo da Silva no Barreiro, na Voz do Operário, em Olhão.
Membro do PCP desde 1942, passa à clandestinidade em 1949. Uma das tarefas que tem dentro do Partido é no sector da Mobilização e Organização das mulheres Comunistas. Faziam parte desse sector também Maria das Dores Cabrita e Cecília Areosa Feio. O seu contributo era o de mobilizar as mulheres e acompanhar a sua actividade nos movimentos de massas – movimentos democráticos associativos, recreativos, desportivos, ou outros.
É autora de vários livros para crianças, que começa a escrever na cadeia e só depois são editados: A Viagem numa Gota de Água e A Viagem numa Flor, inspirados na perguntas que o seu irmão e seu filho, quando crianças, lhe faziam.
Ficou conhecida pelo seu percurso como Resistente Antifascista, comunista, grande lutadora pela emancipação da mulher. Pertenceu à Associação Feminina Portuguesa para a Paz (AFPP), associação criada em 1935, cuja actividade em prol da Paz foi marcante. A AFPP sempre ligou a Paz com os direitos das mulheres e das crianças, numa época de lutas de mulheres contra a guerra e pelo pão, contra as carências que sufocavam o país. “Nunca morreram tantas crianças que morriam pura e simplesmente porque tinham fome”[1]
A luta pela Paz é para Maria Alda uma causa que continua a ser uma causa das mulheres, uma luta que conhece um epílogo nos anos 80 contra as armas nucleares e pelo desarmamento. É uma luta “longamente vivida e sofrida pelas mulheres de todo o mundo. Mas elas persistem e o seu movimento é cada vez mais forte porque elas representam a vitória da vida sobre a morte” [2]
Em 1945, conhece Maria Lamas e com ela trabalha no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas que renasce para um período intenso de actividade e de desenvolvimento.
A sua actividade de resistência à ditadura levou-a à clandestinidade ao serviço do seu partido – o PCP. Foi presa pela PIDE em 4 de Outubro de 1959 e julgada em 22 de Outubro de 1960, tendo sido condenada a 8 anos de prisão.
É a primeira mulher que em Portugal é condenada a uma tal pena de prisão (8 anos) por motivos políticos. As tenebrosas medidas de segurança que abriam o caminho para todas as arbitrariedades da PIDE fizeram que tivesse passado nove anos e dois meses nos cárceres fascistas. Tiram-lhe os melhores anos da sua vida.
É eleita para o Comité Central do PCP em 1957 no V Congresso.
Voltou à clandestinidade em Abril de 1970 ([3]). Mesmo na prisão, em 1961, dirige-se às Organizações Femininas e Democráticas do Mundo Inteiro descrevendo o clima repressivo da polícia política, sobre os sentimentos e afectos das mulheres presas. Em carta que Fernanda Paiva Tomás, guarda no seu arquivo pessoal, Maria Alda Nogueira escreve: “Não posso beijar o meu filho de cinco anos e a minha velha mãe de 70. Gestos naturais de carinho têm de ser recalcados, conversas íntimas estancadas, porque no parlatório as redes e a distância nos separam da família e um guarda escuta-nos de perto e ostensivamente”[4]
Da dureza da vida clandestina, dos castigos infringidos às mulheres nas prisões fascistas e das torturas psicológicas a que foi sujeita, está contado na primeira pessoa em Mulheres Portuguesas na Resistência[5]. Parte da sua história de vida, contada de maneira muito carinhosa, está recheada com suas memórias desde menina e pode ler-se na edição do Movimento Democrático de Mulheres: Uma Mulher, Uma Vida, Uma História de Amor[6].
No dia 25 de Abril, exilada política na Bélgica recebe a boa nova do seu pais liberto e regressa pronto a Lisboa, ao seu bairro, a Alcântara, onde sempre viveu. Seguiram-se dias para encontrar amigos, ver as mulheres de risos soltos vividos com uma esperança e uma alegria esfuziante. Pôr fim à guerra colonial, partilhar o imenso amor maternal com aquelas que viram partir para uma guerra injusta que condenou à morte e ao estropiamento tantos dos seus filhos, é o desejo imenso de Maria Alda. Com a mesma alegria retoma a luta com as mulheres sendo parte activa na efectivação das conquistas de Abril.
Após o 25 de Abril foi deputada do PCP na Assembleia Constituinte e na Assembleia da República de 1976 a 1986. Foi Presidente da Comissão Parlamentar da Condição Feminina de 1983 a 1985, com papel relevante no reconhecimento público das associações de mulheres nesta fase da democracia. Maria Alda Nogueira foi uma dinamizadora, activista e dirigente entusiasta do Movimento Democrático de Mulheres. Sempre presente tinha ligações de grande amizade muitas mulheres da sua geração com quem travou batalhas na resistência mas com mulheres mais novas com quem foi tecendo redes de amizade e solidariedades. Era uma amiga singular de Io Appoloni, Lia Viegas, Ana Vale e tantas outras que se destacavam na vida social e artística pela igualdade das mulheres.
Em 29 de Novembro 1987, recebeu a Distinção de Honra do Movimento Democrático de Mulheres, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, numa sala repleta e entusiasta, numa homenagem nacional a uma vida dedicada à defesa das mulheres, da justiça social e da paz. No ano seguinte, foi condecorada com a Ordem da Liberdade.
Numa singela homenagem que o seu grupo parlamentar lhe fez, José Manuel Mendes, então deputado do PCP, dedicou-lhe este belo poema panegírico da personalidade irreverente, aberta, sempre atenta, sedenta imparável de vida.
Os olhos sempre arderam onde a luz
Emergia devagar: e assim moldaram
a manhã: uma praia imensa em flor
quando as vozes cativas despontaram
as mãos abriram rios entre os cactos,
foram nascentes ávidas de mar;
tecem ainda o linho da esperança,
o rosto da ternura por achar.
que passos estes em que os nossos colhem
a espuma das porfias e dos sonhos?
De longe vêm: rumores de liberdade.
E um coração maior do que a alegria
Bate à porta dos dias mais tristonhos:
Com ele a vida já não tem idade.
O seu busto em pedra, da autoria do escultor António Trindade, encontra-se no claustro na Assembleia da República. Maria Alda Nogueira é uma, de apenas duas mulheres deputadas, que tiveram semelhante honra. Natália Correia é a outra deputada que também tem o seu busto no mesmo claustro.
Para além de figurar na estatuária da Assembleia da República, Maria Alda figura na toponímia de Paio Pires (Seixal), Feijó (Almada) e Amadora.
[1] Revista Mulheres, nº66, Outubro de 1983
[2] Ibidem
[3] Cristina Nogueira, Vidas na clandestinidade, Edições Avante, Lisboa, 2011, p.174
[4] Ibidem p. 175. Tratou-se de um abaixo-assinado, em forma de testemunhos, dirigido às organizações da FDIM, assinado por Maria Luisa Costa Dias, Maria Albertina Diogo, Ivone Dias Lourenço, Aida de Freitas Loureiro Magro, Maria da Piedade Gomes dos Santos, Maria Angela Vidal, Aida da Conceição Paula, Maria Alda Nogueira, Fernanda Paiva Tomás, também elas presas.
[5] Rose Nery Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas na Resistência, Seara Nova, 1975, pp. 175-190.
Esta notável edição mostra um percurso de mulheres de diferentes camadas sociais e experiências políticas cujas biografias e depoimentos são uma pequena amostra do que foi a época brutal do fascismo e da coragem e abnegação de que muitas mulheres deram provas, numa demonstração da sua força individual dentro das várias organizações a que pertenceram. Muitas destas mulheres foram as organizadoras de associações de mulheres democráticas que neste longo período da história do século XX em Portugal tiveram um papel decisivo, mantendo a chama da luta pelos direitos das mulheres e a defesa da sua dignidade. Enfrentaram com audácia as poderosas forças fascistas que oprimiam e marginalizavam as mulheres como política de Estado e que não toleravam qualquer organização em que as mulheres fossem decisoras e mentoras das suas vidas. Assim foi com a APFP criada em 1935 e mandada encerrar pelo regime fascista em 1952 e com o CNMP mandado encerrar em 1947. No final da 2ª guerra mundial a APFP teve uma acção determinante na recolha de assinaturas em Portugal para o Apelo de Estocolmo contra as armas nucleares. A sua presidente, Amália Borges, foi mesmo detida pela PIDE segundo revela Maria Alda em entrevista à Revista Mulheres (nº66, Outubro, 1983).
[6] Maria Alda Nogueira, Uma Mulher, Uma Vida, Uma história de Amor, com base na sua conversa com Helena Neves, por altura da entrega da Distinção de Honra do MDM em 29 de Novembro de 1987.