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Jogo UNLOVE – MDM participa no Congresso Pedagogia 2019, em Havana

O MDM participou no Congresso «Pedagogia 2019», que decorreu em Havana, de 4 a 8 de Fevereiro, apresentando o jogo digital UNLOVE, no âmbito do tema 5: «As tecnologias da informação e das comunicações na educação pelo desenvolvimento sustentável».
A comunicação, cujo conteúdo partilhamos de seguida, foi feita pela dirigente nacional do MDM, delegada ao Congresso, Manuela Antunes da Silva.

«Caros e caras colegas
As minhas saudações.

Vou apresentar-vos um jogo digital, produzido pelo MDM – Movimento Democrático das Mulheres, com o apoio da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade e da Universidade de Aveiro.
Chamámos-lhe UNLOVE, por nos parecer um título sugestivo, tendo em conta que as temáticas fundamentais que trata são a igualdade de género e a violência no namoro.

O jogo foi construído em permanente interação com o público-alvo, jovens entre 12 e 20 anos e a comunidade educativa, o que permitiu testar a sua eficácia, em cada uma das suas fases de construção e, agora mesmo, no início da disseminação.

Esta ferramenta digital está vocacionada para utilização em contexto educativo, formal ou não formal, com o acompanhamento de professor/a ou líder de grupo de jovens, para permitir o aprofundamento das opções dos/as jogadores/as, ao longo do jogo, estimular o seu espírito crítico e a consciencialização sobre as temáticas. No entanto, pode também ser jogado autonomamente pelos jovens, e é de livre acesso.
Tem-se revelado um importante e estimulante produto, não só para intervir junto da população jovem, mas também junto da respetiva comunidade educativa (professores/as, outros/as profissionais das escolas, líderes de grupos jovens e famílias).

Que objetivos nos orientam?
Pretendemos, através da interação que é possível desenvolver, com este jogo digital, antes de mais, que seja clara a diferença entre um relacionamento “saudável” e um relacionamento abusivo, ou potencialmente violento e promover uma cultura relacional positiva e não violenta. Para isso, é fundamental compreender o que é a violência no namoro, quais podem ser as suas manifestações precoces e subtis e refletir sobre as relações de poder e controle que possam estar presentes nesses relacionamentos. Nesse contexto, queremos promover a reflexão sobre crenças, mitos e estereótipos, perceber como podem condicionar a forma como o namoro é encarado e vivido e estimular um posicionamento crítico em relação às desigualdades de género e situações abusivas no namoro.

Em que se baseia a nossa preocupação com este fenómeno?
Sabemos que os vários estudos realizados sobre o fenómeno da violência de género vão no sentido de a considerarem um sério problema global, que pode afetar o desenvolvimento físico, psicológico, sexual, reprodutivo, social e profissional dos seres humanos, especialmente das mulheres.
Neste momento, crê-se que uma em cada três mulheres, na União Europeia, já foi ou será vítima de, pelo menos, um episódio de abuso sexual, físico ou psicológico (Felicita e Pena, 2014); que a violência de género geralmente começa no namoro; que à medida que as relações de namoro se prolongam no tempo, a violência tende a aumentar; que o namoro violento se constitui, assim, numa antecâmara da violência conjugal (Caridade, 2008, Plauborg et al., 2012).
Esta realidade complexa exige, em nosso entender, a promoção de programas de prevenção primária, direcionados para adolescentes, que permitam incentivar a mudança de comportamentos, crenças e valores relacionados com os papéis de género, com as masculinidades, as conceções de amor, a intimidade e os direitos humanos (Foshee et al., 2009).
As escolas são espaços privilegiados de intervenção, nesta matéria, tanto mais que é aí que os jovens passam a maior parte do tempo e é aí que geralmente começam os seus relacionamentos íntimos.

Que potencial podemos encontrar nos jogos digitais para a prevenção da violência no namoro?
O MDM, desde 2005, intervém junto dos jovens adolescentes, utilizando produtos próprios (cadernos pedagógicos, filmes, jogos tradicionais adaptados) por ter consciência das proporções alarmantes da violência de género, nomeadamente a violência no namoro, em todo o mundo e também em Portugal. A partir de 2013, iniciámos ensaios ao nível dos jogos digitais, tendo já então encontrado um parceiro inestimável, que muito nos tem apoiado neste caminho, a Universidade de Aveiro, através do seu Departamento de Comunicação e Arte, com que iniciámos uma parceria.
Apesar dos exíguos meios financeiros de que dispúnhamos, decidimos investir na construção de um jogo digital, porque temos consciência de que as ferramentas deste tipo, fazem parte, cada vez mais, da experiência social dos adolescentes e podem revelar-se poderosas na promoção da mudança de atitudes, crenças, mitos e valores. Como Movimento de Mulheres, cremos ser nossa responsabilidade intervir no mundo digital, promovendo valores humanistas e não violentos.

Numa primeira fase de construção do jogo digital Unlove, para a definição dos cenários e contextos do jogo (para além do histórico de trabalho do MDM, em relação e estas temáticas) foram realizadas entrevistas e workshops, com os/as adolescentes, onde se identificaram situações, comportamentos, sentimentos e espaços de relacionamento, essenciais para definir a lógica, as mecânicas de jogo, os cenários e os contextos narrativos.

Os resultados preliminares destas ações realizadas com jovens apontaram para os seguintes aspetos:

§ O controlo do telemóvel, de cadernos escolares e das redes sociais (“Quem ama confia! Dá-me a tua password!”; “Vamos criar uma página conjunta no Facebook? Tu não precisas de uma página só tua!”; Se acabares comigo, eu ponho aquele filme no twitter! “)
§ Desconfiança permanente – (“Tu não queres sair comigo porque tens outro!”);
§ Exercício de poder / controle / ameaças / humilhações (“Vais sair com esse vestido? Só queres dar nas vistas! Não vês como estás gorda/o? São só banhas!”; “Eu mandei-te uma mensagem, não respondeste. Porquê?”; “Não gosto dos teus amigos! Não quero sair com eles! “; “Tens de vir já ter comigo! Eu preciso de ti!”).

Apercebemo-nos que os rapazes são mais acusados de se preocuparem com a imagem física da parceira ou parceiro, mas quando o discurso se torna mais sentimental, ambos valorizam a identificação com os interesses e gostos, o sorriso e a forma de olhar, como aspetos chave de uma relação de namoro. Tanto para os rapazes, como para as raparigas, os amigos e amigas podem ser motivo de ciúme (“é difícil administrar o tempo dedicado a uma relação, sem deixar de estar com os amigos e amigas”).
Os ciúmes são a principal causa dos comportamentos agressivos entre namorados. As redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram) surgem, cada vez mais, como espaços para onde se estendem as discórdias entre casais de namorados. Violências verbais e a violação da própria privacidade do casal surgem, muitas vezes, em diálogos virtuais entre namorados desavindos.

Numa fase subsequente, já com um desenho inicial do jogo e com a mecânica principal incorporada, os/as jovens foram convidados/as a colaborar na construção de textos e diálogos presentes no jogo, através da participação em laboratórios de escrita criativa.

Depois de todo este processo, sempre interativo (equipa de trabalho e público-alvo), nasceu o UNLOVE, que continuará a ser melhorado, discutido e testado, e essa flexibilidade é também outra mais valia de ser um jogo digital. Pode ser sempre alterado e melhorado, adaptando-se ao tempo e a novos contextos. O UNLOVE está a ser estudado, em contexto académico, no Brasil.

Quais são os aspetos a salientar, neste jogo?

Trata-se de um jogo inclusivo, porque:
§ O/A jogador/a pode escolher o seu sexo e o do/a seu/sua namorado/a e assim o tipo de relação que vai viver em jogo;
§ As personagens (jogador/a e namorado/a) são totalmente configuradas pelo jogador/a: cor de pele, cabelo, cor de olhos, pelos faciais, roupas, sapatos;
§ O jogo inclui personagens portadores de deficiência, em vários cenários (jovem em cadeira de rodas; jovem com trissomia 21; jovem invisual);
§ Utiliza uma linguagem o mais inclusiva possível, dando a opção da escolha do género da linguagem a usar, ao jogador/a, independentemente do aspeto assumido pela personagem.

O UNLOVE é um jogo de base narrativa e “point and click”, onde o/a protagonista/a (jogador/a) é convidado/a a viver uma relação de namoro, assumindo uma personagem configurável e criando igualmente a personagem do/a namorado/a.
É um jogo que explora o universo físico e emocional comum aos/às pré-adolescentes e adolescentes, que frequentam a escola. É, aliás, no espaço Escola, que a relação de namoro se inicia, seguindo para outros cenários presentes na vida dos/as jovens e no universo das suas relações. Assim, podem ser explorados, para além da Escola, a Casa, o Centro Comercial, o Bar/Discoteca. Algumas interações ocorrem também em referência a cenários digitais (redes sociais e telemóvel).

À medida que vai jogando, o/a jogador/a pode explorar um conjunto de espaços e diálogos, criando a narrativa do seu jogo, possibilitando a sua interação com objetos e a superação de desafios, como a realização de minijogos. É assim que vai tendo acesso aos dilemas de jogo, presentes em forma de diálogo, que determinam as várias narrativas, o percurso de jogo, o desbloqueio dos diferentes cenários e a obtenção de medalhas, como prémios de jogo, que permeiam bons comportamentos e boas performances de jogo.
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Os dilemas vão sendo resolvidos pelo/a jogador/a, em resposta aos diálogos com o/a seu/sua namorado/a e com outras personagens em jogo.
As respostas aos dilemas, partem do princípio que há pelo menos três formas diferentes de responder a uma questão, uma pelo lado agressivo, uma pelo lado da submissão ou da vitimização, e outra pelo lado positivo ou construtivo de uma boa comunicação/relação.

Dilema – D
Resposta Agressiva – A
Resposta Neutra / assertiva – N
Resposta de Vítima – V

Exemplo de dilema:
D- Dilema
– Tens muito poucas fotos nossas no teu Instagram. Eu tenho muito mais do que tu!

R- Respostas
– Mas isso é uma opção tua. A minha vida não é só a nossa relação. Gosto de postar sobre várias coisas. (N)
– Mas eu estou sempre a pôr o que tu mandas! (V)
– Não te ponhas a controlar as minhas contas. (A)

O jogador ao fazer a sua opção determina a qualidade e progressão do seu jogo, que é visível na interface do utilizador, na barra inferior, onde o/a jogador/a e o/a seu/sua namorado/a aparecem, dentro de aquários, que vão ficando cheios de água, à medida que as suas opções sejam de agressor ou de vítima, “afogando” as personagens.
Na mesma barra, ao centro, o próprio logotipo do jogo, o coração, formado por duas mãos entrelaçadas, vai-se afastando ou juntando, conforme a qualidade da relação.
O jogador tem ainda acesso a um cenário de auto reflexão, o “mergulho interior”, cujo aspeto também se altera de acordo com as decisões que vai tomando durante o jogo. Aí pode “mergulhar” nas suas “memórias de jogo”.
Este cenário tem a forma de uma caverna submarina, onde o jogador mergulha, sempre que queira perceber como está a decorrer o seu jogo.
Ao abrir as memórias, as fotografias polaroids registam os momentos de decisão, e dão pistas visuais quanto ao carácter (agressivo, positivo ou vítima) de cada decisão tomada, promovendo a reflexão.

Esta ferramenta digital, o Videojogo UNLOVE está acessível, gratuitamente, a todos/as os/as que a desejem experimentar, podendo ser utilizada, tanto pelos jovens, individualmente, como em contexto de sala de aula ou workshop de sensibilização para esta problemática.

Obrigada, pela vossa atenção!

Maria Manuela Antunes da Silva
MDM – Movimento Democrático de Mulheres

Equipa interdisciplinar responsável pelo juego digital UNLOVE
• Joana Lima (Coordenadora; MDM)
• Margarida Almeida (Consultora; UA, DeCA, DigiMedia)
• Bruno Matos (Programador )
• Belmiro Morais (Programador)
• Fabiana Rodrigues (Psicóloga)
• Ana Rita Nicolau (Designer)
• Sara Tuna (Designer)

Bibliografia:
Pisco Almeida, A. M., Lima, J., Pereira, M. J., & Silva, M. (2018). UNLOVE: a Digital Game for Gender-Based Violence Prevention and Awareness. In A. Azevedo & A. Mesquita (Eds.), First International Conference on Gender Research, ICGR 2018 (pp. 342–350). Porto, Portugal: ACPI.

Almeida, L; Monteiro, L.; Santos, D., Tuna, S., Almeida, A. M. (2014) “Unlove um vídeo jogo em construção”. Proceedings of the Congress “The Multiplicity of Violence – a very feminine reality”, organized by the project “Living Rights/ Overcoming Violence – from the school to public space”. Aveiro: MDM. pp 87-90. (Comunicação oral)

Caridade, S. (2011). Vivências Íntimas Violentas – Uma Abordagem Científica. Coimbra: Almedina

Foshee, V., Reyes, L., & Wyckoff, S. (2009). Approaches to Preventing psychological, physical, and sexual partner abuse. In D. O’Leary, & E. Woodin (Eds.), Psychological and physical aggression in couples: causes and interventions (pp. 165-190). Washington DC: American Psychological Association.

Caridade, S. (2008). Violência nas relações de intimidade: comportamentos e atitudes dos jovens. Doctoral Thesis in Psychology. Braga: University of Minho.»

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