EM MOVIMENTO

Intervenção de Luiza Tonon na iniciativa pela Paz, contra a Nato e pelo fim do genocídio na Palestina

Boa tarde, caros amigos e companheiros de luta,

Hoje, em nome do Movimento Democrático de Mulheres, gostaria de saudar esta iniciativa e as suas organizações promotoras, e dizer algumas palavras sobre o momento atual, da cimeira da belicista NATO, e da urgência de nossa luta pela paz. Importa-nos falar de mulheres pois as mulheres não são minoria, não são especificidades, são metade – e mesmo mais – da população mundial, e sofrem intensamente os efeitos da guerra. Hoje mesmo, neste encontro Washington, chamaram à Rússia “maior ameaça”, e assim propagam por toda a mídia, enquanto a mesma jamais lembra que os Estados Unidos ocupam, em primeiro lugar absoluto, a posição dos países que mais cometeram massacres, promoveram guerras e implantaram ditaduras em países alheios; país que nomeia-se uma grande democracia, mas tem a maior população carcerária do mundo, um racismo institucionalizado, e fortemente se empenha para desestabilizar governos legítimos de outras nações, em nome de supostas mais “liberdade” e “democracia”, palavras banalizadas no país de maior indústria bélica do mundo.

Indústria que tem armado outro país que se vende como “democrático”, Israel, e que segundo dados do mês de junho, da ONU, foi o responsável pelo assassinato de mais de 37 mil palestinianos desde o dia 7 de Outubro de 2023. Muito bem sabemos que os intuitos genocidas e o massacre do povo palestiniano aí começaram, e ocorre com brutalidade há décadas, contudo, o que vivemos no hoje, no agora, e vemos em nossos ecrãs, todos os dias, é de uma barbárie inominável, e que nos custa a acreditar que tão pouco tem sido feito por tantos países, sobretudo europeus, para que haja um basta.
Custa-nos a acreditar, sim, mas não necessariamente nos surpreende, quando sabemos das ações da NATO desde a sua fundação, e o seu papel de garantir a hegemonia dos Estados Unidos da América sobre o mundo, e as ambições capitalistas, custe o que custar a vida dos povos do mundo. Kuwait, Iraque, Líbia, Afeganistão, Jugoslávia. E em que pese vivermos em um país membro desta aliança, que tem uma base militar, nas Lajes, na Ilha Terceira, que serve para o transporte de armas para que matem milhares em outros países, e que não se propõe, neste momento, nem ao mais básico – o reconhecimento da Palestina enquanto um Estado soberano -, não isso saímos das ruas, semana após semana, e deixamos de manifestar nossa indignação e nossa solidariedade. Prestamos aqui hoje não apenas solidariedade ao povo palestiniano, mas também aos povos do Saara Ocidental, do Sudão, do Iêmen, da Ucrânia, da Rússia, da Síria,
e todos os que vivem hoje debaixo de conflitos armados rotineiros, e bloqueios económicos injustificáveis, para os quais defendemos que a única solução possível é a paz negociada.
Paz, nós do MDM defendemos ser a maior prioridade, pois sem ela, nem os direitos mais básicos conseguem ser cumpridos. Não há direitos à habitação, à saúde, à educação que prossigam na guerra. Enquanto cá em Portugal milhares de alunos no último mês concluíram a sua escolaridade e compareceram a exames nacionais, com o intuito de ingressarem em cursos de ensino superior ou profissionais, em Gaza não foi possível que exames similares se realizassem. Centenas de milhares tiveram de parar os seus estudos, e viram seus sonhos e planos para o futuro destruídos pela guerra – muitos e muitas queriam ser professoras, médicas cientistas, juristas, e hoje, a busca pelo pão de amanhã impõe-se. As universidades de Gaza foram destruídas na totalidade, assim como a maioria dos hospitais – onde cometeram-se variados crimes de guerra – e, em matéria de saúde, não deixemos aqui de destacar o intenso sofrimento das mulheres palestinianas.

Segundo dados de um estudo das Nações Unidas, de abril de 2024, em Gaza, e tanta é a fome, a sede, a desnutrição, e ainda, o estresse enfrentado, que a produção de leite materno pelas mães tem sido insuficiente. O aleitamento materno e a nutrição no primeiro ano de vida são essenciais para todo o desenvolvimento do ser humano, diz hoje a OMS, mas em Gaza, sequer a substituição, com fórmulas, tem sido possível, adequadamente, pois não chegam em quantia suficiente, e principalmente, não há água potável. A água já era um bem essencial escasseado propositadamente por Israel aos territórios palestinianos, nas últimas décadas, mas atualmente, o valor da água disponível por pessoa é só de 7% do que havia antes de Outubro de 2023. Assim, poços de agricultura, com a água com 30x mais sal do que o adequado para consumo humano, tem sido utilizada, o que causa enormes problemas de saúde em especial para grávidas, bebés, crianças e pessoas com doenças renais. A falta de acesso a água potável foi causa também de uma epidemia de hepatite A; e, como apontado pelas Nações Unidas, isto afeta ainda mais as mulheres, sendo elas as principais cuidadoras dos idosos e familiares, e as crianças, que têm as doenças infeciosas como maior causa de mortalidade. A falta de acesso a casas de banho fez aumentar doenças do trato renal e urinário nas mulheres; espaços para que possam tomar banhos também têm sido escassos, e relacionam-se com a falta de dignidade menstrual sentida há meses pelas meninas e mulheres de Gaza, que também não têm acesso a pensos e produtos de higiene. Não esquecemos também das mulheres em tratamento de cancro, e com deficiência, também mencionadas neste estudo, que enfrentam separação da família e falta de condições para as suas necessidades mais básicas. Nascer em Gaza hoje, com bebés assassinados até dentro de hospitais, tem sido outro martírio, já que desde outubro passado as mulheres não têm a vigilância adequada para a gravidez, têm partos sem anestesias e medicamentos básicos. A guerra é um verdadeiro horror em todos os detalhes das vidas das mulheres, e contra ela, nós aqui erguemos a nossa voz e prestamos toda a solidariedade às mulheres palestinianas, que resistentes enfrentam a longa agressão de Israel com cumplicidade dos membros da NATO.

Havia falado no número oficial de 37 mil mortos, contudo, ontem mesmo uma estimativa científica lançada pela revista Lancet, estima-se que já mais de 180.000 pessoas de Gaza tenham sido vítimas deste extermínio, pelos efeitos direitos e indiretos da guerra, como os aqui mencionados, de doenças, falta de condições básicas, e pela falta de contagem de vítimas soterradas. As bombas que lá matam não são gratuitas – movimentam os milhares de milhões da indústria bélica, que lucrou mais do que nunca, neste ano de 2024. As empresas de armamentos dos Estados Unidos aumentaram tiveram grande aumento de seu valor na bolsa de valores, em 2023, com a venda de armas para o genocídio em Gaza, e no impulso para a escalada armamentista da Europa. Perguntamos, então: quantos hospitais, maternidades, escolas e lares se poderiam construir para salvar a humanidade da fome, do desemprego, das doenças, do analfabetismo e da emigração fraudulenta? Quantas vidas se poderiam poupar sem a ameaça permanente da guerra em tantas partes do globo? Como as mulheres e crianças poderiam ter futuros bastante distintos deste, de miséria e opressão constante, se fosse a paz uma realidade?

A NATO propõe e o incentiva que os seus países membros dediquem 2% de seus PIB para o militarismo – e Portugal já dedica 1,48%, uma verba que faria toda a diferença para a população portuguesa se prioritariamente fosse utilizada para a Educação, para o SNS e para tantas melhorias da vida de milhões de mulheres e homens do país. Entendemos, então, o porquê do discurso de “ameaça” e “perigo”, para que pareça, na opinião pública, justificável que Portugal dê anualmente 40 mil milhões de euros para a aliança armamentista, ao invés de utilizá-lo em prol de quem aqui vive e trabalha.

Por último, em meio a tanto que poderia se dizer sobre as mulheres e a necessidade de luta pela paz no mundo, destacamos a hipocrisia perpetrada quer por organizações que pretendem-se progressistas, quer por movimentos de direita, que instrumentalizam a luta das mulheres, e também da população LGBT, para posições favoráveis ao imperialismo e ao sionismo. Pouco importa a quem tem a arma apontada se quem a segura é uma mulher, ou se o comandante do pelotão que ataca a sua cidade é de uma minoria. Nossa posição é contrária ao uso da imagem das mulheres enquanto passivas, oprimidas, de certas culturas, e que necessitam urgentemente da “libertação” ocidental, como se as mulheres não fossem capazes de sua própria organização e pensamento. Defendemos a verdadeira emancipação das mulheres, que constrói-se na luta anticolonial e anti-imperialista, por uma sociedade justa, construída sob o princípio da autodeterminação dos povos. Saudamos aqui as mulheres sarauís, resistentes à violência colonial do Marrocos, as mulheres de Cuba, que hoje têm suas filhas no melhor país para se crescer como menina na América Latina, e as palestinianas, muitas hoje detidas ilegalmente em Israel, como a comunista Khalida Jarrar, uma mulher incansável em sua luta. A guerra causa enormes retrocessos à vida e a luta das mulheres, e esta luta é incompatível com argumentos racistas e imperialistas hoje evocados como pretensa defesa dos nossos direitos.

Hoje necessitamos de pôr fim à hegemonia dos EUA e seus aliados ocidentais, altamente responsáveis por guerras de procuração fora dos seus territórios, e espoliação dos recursos naturais, e para isso defendemos um sistema mundial baseado em decisões compartilhadas, na justiça social e ambiental. Cobramos aqui também o governo português para que se empenhe neste caminho, e não ao que segue atualmente, de alimentar guerras em nosso nome, e até mesmo sugerir nossos filhos para os campos de batalha caminhem.
Reforçamos a nossa indignação e dizemos:
Não à guerra como forma de resolver conflitos internacionais, não à militarização, queremos ser mulheres agentes de vida e em defesa da paz, que elaboram laços de cooperação para uma plena emancipação social e construção da igualdade!

Lisboa, 9 de julho 2024

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