Fernanda Peleja Patrício, filha primeira dos sete filhos de Manuel Patrício e de Evangelina Maria Gomes, é natural de Aljustrel. Nasceu em 5 de Outubro de 1929, no centenário bairro de Vale d’Oca. Seu pai foi um dos fundadores do Sindicato Mineiro. Cedo, esta menina sentiu as agruras da vida, o sofrimento e a miséria.
“Regente escolar do ensino primário, com a frequência do 5.º ano liceal”, é assim que ela própria se regista na Assembleia Constituinte como deputada pelo Circulo de Beja.
Começou a dar aulas em 23 de Outubro de 1950. Note-se que o ensino primário tinha nos meios rurais um número considerável de regentes escolares, com funções idênticas aos professores de instrução primária. Era uma profissão crescentemente feminizada com condições de trabalho muito difíceis e duras. No ano lectivo de 1959/1960 foi suspensa do ensino oficial por motivos políticos, reingressando ao ensino só após o 25 de Abril de 1974. Porém, a sua intervenção e notória actividade levou-a logo em Maio de 1974 para a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Aljustrel, deposto que foi o regime fascista e, consequentemente, depostas as autarquias também elas executantes do regime.
Fernanda Patrício foi dirigente do Movimento Democrático de Mulheres, activista de grande influência no núcleo de Aljustrel desde a sua fundação em 1975. Criou o Grupo Coral do Movimento Democrático de Mulheres em 8 de Março de 1987, mostrando-se sempre disponível para cantar as modas alentejanas, um grupo pioneiro, diríamos, desse cante alentejano no feminino que durante anos foi vedado às mulheres, também ele “um contributo para a emancipação da mulher”, na expressão colectiva do mesmo Grupo Coral. Foi deputada eleita pelo Círculo de Beja nas eleições de 25 de Abril de 1975 para a Assembleia Constituinte como representante do PCP. Foi vogal da 8.ª Comissão. Interveio na Assembleia Constituinte (Diário da Assembleia de 21 de Agosto de 1975) exactamente sobre o artigo respeitante à igualdade de direitos da mulher, sobre o qual se notaram logo divergências entre os grupos parlamentares. No dia 9 de Março de 1976, também na Assembleia Constituinte, é a primeira mulher a intervir, saudando o Dia Internacional da Mulher como uma data marcante na luta que a mulher de há muito tempo trava pela libertação da condição de marginalização a que é sujeita e, simultaneamente uma data histórica incentivadora das lutas que hoje se vão registando.
Ao mesmo tempo que evoca a luta de mulheres durante o fascismo, referindo particularmente o exemplo de uma destacada antifascista – Maria Isabel Aboim Inglês – lembra a luta pelas 8 horas de trabalho e a grande participação das mulheres nas conquistas revolucionárias, nomeadamente, a Reforma Agrária, cujo processo bem conhece em terras alentejanas (DAC, 10/03/76, p. 3814).
De 1976 a 1979 foi deputada à Assembleia da República. Urbano Tavares Rodrigues, que com ela partilhou muitos momentos, retrata o seu carácter, com estas palavras, “Tive ocasião de descobrir, a par da sua inteligência e visão política, o seu carácter firme e generoso, a sua capacidade de dádiva, o seu amor aos deserdados, aos pobres, aos que a ditadura obscurantista condenava à ignorância. E o seu orgulho de mulher…. Fica connosco a lembrança do seu olhar afectuoso, da sua constante militância, da esperança que ela irradiava”.
Também Georgette Ferreira, igualmente deputada à Assembleia da República e à Constituinte, recorda a sua modéstia, lembrando-a como uma mulher sensível e atenta aos problemas dos trabalhadores, das mulheres e das crianças, uma mulher estudiosa, participante e responsável. Uma pessoa que vivia com grande alegria consciente.
Em janeiro de 1980, voltou ao ensino, de onde fora afastada pelo regime fascista, e colocada na Escola do Monte das Mestras no concelho de Almodôvar. Mas logo a seguir, pouco tempo depois assumiu o lugar de vereadora a tempo inteiro na Câmara Municipal de Aljustrel que desempenhou até 1982. Volta à escola em 1983, passando a desempenhar funções administrativas na Delegação Escolar de Aljustrel, que interrompe de novo, para exercer novas funções públicas. Desta vez, eleita Presidente da Junta de Freguesia de Aljustrel, ocupa o cargo de 1986 a 1989. Já muito doente, reforma-se em 1994 e vai para junto de sua filha em Coimbra.
Em 2001, foi homenageada na sua terra natal, com a Medalha de Mérito Municipal Dourada e a consagração do seu nome na toponímia de Aljustrel. A Câmara Municipal publicou um opúsculo[1] onde a reconhece como cidadã lutadora, antifascista, autarca, uma mulher justa, uma mulher de causas, uma mulher de muitas lutas. O Presidente da Câmara, José Godinho, acentuou: “Ela merece figurar em lugar de destaque no historial do nosso Município já que no coração do seu povo a sua memória mora há muito tempo”. Mulher coragem, assim a designou o Presidente da Assembleia Municipal, outro seu companheiro de lutas. Suzete da Conceição Páscoa, vereadora, na sua cumplicidade feminina, escreve assim: “Recordarei sempre a tua luta contra as injustiças e a desigualdade mas sobretudo a luta pela condição da mulher, pela qual te bateste até ao final dos teus dias. Por isso foste um elemento importante do Movimento Democrático de Mulheres. Por isso ajudaste a fundar e a organizar o Grupo Coral Feminino do MDM de Aljustrel ao qual te entregaste inteira e intensamente. Deste-nos uma grande lição!”
Todos sabemos como a poesia está na alma alentejana. Fernanda Patrício não fugiu à regra. Fernanda Mateus, dirigente do MDM à data da sua morte, associa Fernanda Patrício à poesia de Ary dos Santos, “Mulher presente/ na canção que eu hoje trago/ direi tudo o que eu quiser/ No passado deixo um cravo/ Planto outra flor… Cantando assim sou por fim/ Mulher”.
Do seu carácter, testemunham também vários amigos e amigas que partilharam anos ou pedaços de vida com ela. Da verticalidade, empenhamento activo, do afecto e da esperança transparentes da Fernanda quais sementes de amizade, Maria Rosa Colaço deixa-nos a sua lembrança. Igualmente, canta o médico da terra, António Cardoso Ferreira, Delegado de Saúde,
“Trazes contigo a multidão/ dos que têm sede de alegria”.
Esta mulher de tanta experiência acumulada também fez teatro, naquele que foi o 1.º Grupo de Teatro em Aljustrel.
Fernanda Patrícia cantou e versejou sempre, deixando um poema para as Amigas do Coro do MDM de Aljustrel:
Cantando nossas canções,
Ontem, hoje, agora e sempre,
afirmamos gerações,
somos voz de multidões,
cantamos p’ra toda a gente.
A sua sede de alegria é seguramente a seiva que Abril lançou sobre nós para nela reconhecermos o exemplo e a força de ser mulher … alentejana
* Vidé Uma Mulher de Aljustrel editado pela Câmara Municipal de Aljustrel, 2001
[1] Fernanda Patrício, Uma Mulher de Aljustrel, Câmara Municipal de Aljustrel, 2001