Elina Júlia Chaves Pereira Guimarães da Palma Carlos foi jurista e escritora, uma mulher intensamente dedicada à causa dos direitos da mulher. Nasceu em Lisboa a 8 de Agosto de 1904 e morreu a 26 de Junho de 1991. Era filha do republicano Vitorino Guimarães e de Alice Pereira Guimarães.
Crescendo num ambiente familiar dominado pela política, desde cedo se interessou pela acção política, em especial pela defesa dos direitos da mulher. Entusiasta e combativa na defesa das suas convicções de igualdade de direitos e oportunidades de homens e mulheres e da valorização da capacidade intelectual feminina, mereceu de Afonso Costa, amigo da família, o epíteto de mulher do futuro.
Fez os primeiros estudos em casa como a maioria das meninas da alta burguesia de então e depois no Liceu. Em 1921 entrou para a Faculdade de Direito de Lisboa, onde obteve distinção em todos os anos, terminando o curso em 1926 com 20 valores.
Casou em 1928 com Adelino da Palma Carlos que veio a ser Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, Bastonário da Ordem dos Advogados e Primeiro Ministro logo a seguir à Revolução de 25 de Abril de 1974.
Conhecida por Elina Guimarães, foi dirigente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP) em vários períodos da sua actividade, onde entrou pela mão de Adelaide Cabete. Em 1928, foi eleita vice-presidente da direcção e com a colaboração de Angélica Lopes Viana Porto e Sara Beirão elaborou um plano de conferências feministas. Em Junho desse ano inaugurou o Congresso Feminista e da Educação organizado pelo CNMP. Nesse cargo, que exerceu no período de 1928-1929 e em 1931, promoveu uma revisão estatutária do Conselho e desenvolveu intensa actividade como directora da sua secção jurídica, uma secção destinada a comentar as leis e decisões dos tribunais relativas às mulheres e dar a conhecer as inovações vindas do estrangeiro.
Numa segunda fase da vida do CNMP, em 1946, foi eleita vice-presidente da Assembleia-geral, sendo Maria Lamas Presidente. Ocupava esse cargo em 1947, ano em que o Governo Civil de Lisboa decretou o seu encerramento.
Desenvolveu uma intensa actividade na imprensa, com artigos de índole jurídica e opinativa em defesa dos direitos das mulheres, da coeducação e do livre acesso das mulheres à vida profissional, incentivando sempre as mulheres portuguesas a exigirem o reconhecimento dos seus direitos. A sua atenção alargou-se sempre às múltiplas condicionantes da vida que limitavam e condicionavam as mulheres no seu dia a dia.
Entre as múltiplas questões jurídicas referentes às mulheres que Elina Guimarães abordava também as desigualdades no trabalho a motivaram a escrever, tendo apresentado várias comunicações em congressos e reuniões públicas, entre as quais A protecção à mulher trabalhadora e Da situação da mulher profissional no casamento.
Assumiu a direcção da revista Alma Feminina entre 1929 e 1930, publicação do CNMP. Foi responsável pela Página Feminista na revista Portugal Feminino e manteve colaboração em múltiplos periódicos, entre os quais O Rebate, O Povo, Diário de Lisboa, Seara Nova, Diário de Notícias, Primeiro de Janeiro, Máxima, Gazeta da Ordem dos Advogados.
Conviveu com Júlio Dantas, amigo de seu pai, com quem entrou em guerra aberta mais de uma vez por dissidências sobre a questão feminina. Júlio Dantas, escritor fervoroso, era um conservador e intérprete da mais arcaica mentalidade sobre o papel das mulheres na época. Como homem e como escritor pugnava nos jornais pelos atributos da mulher, fada do lar, zombando das feministas cuja presença organizada começava a sobressair em muitos países e em Portugal também. Elina – que nunca aceitou tais preceitos, teimara em estudar “como os rapazes” numa certa aliança tácita com o feminismo e as sufragistas reivindicativas por quem nutria admiração – não tolerava tais posições. Numa entrevista em 1983, dada à Revista Mulheres, Elina Guimarães lembra um episódio dessa relação difícil com Dantas. “Quando estava na Faculdade, o Júlio Dantas escreveu um livro, O terceiro sexo, em que dizia que as mulheres que estudavam ou trabalhavam deixavam de ser mulheres, passavam a ser o terceiro sexo, e eu fiquei tão furiosa que escrevi um artigo, foi o meu primeiro artigo, em que dizia, que ele atacando as mulheres inteligentes com certeza que ia agradar às sua admiradoras”[2]. Terá sido esta a sua primeira manifestação pública de repúdio por uma mentalidade conservadora, o que a tornou conhecida na cena pública e a fez entrar no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas.
Em 1979, a Comissão da Condição Feminina publicou um opúsculo de sua autoria, Mulheres Portuguesas Ontem e Hoje, a que se seguiu mais tarde uma nova edição a par de uma versão inglesa e outra francesa do mesmo texto. Nesse opúsculo, Elina passa em revista, com simplicidade, a brevíssima história do feminismo em Portugal sob a forma de texto que designou Do feminismo tácito ao feminismo militante, que tinha sido publicado já em 1975 em Coisas de Mulheres consagrado ao Ano Internacional da Mulher. É notável a denúncia que faz das desigualdades, a expressão da revolta auto-referenciada e sentida dizendo, “Pessoalmente, achei humilhante que fossem necessários à mulher longos anos de estudo para ter os direitos do homem que apenas soubesse ler e escrever”[3]
Escreveu sobre todos os temas sociais que afectavam as mulheres acompanhando o curso do tempo e das circunstâncias políticas. Desafiava os poderes públicos e o Estado a pôr fim ao sofrimento de tantas mulheres, fazendo a distinção de meios e soluções entre as mulheres de classes abastadas e as outras onde a natureza do trabalho e das condições eram bem mais precárias. Foi uma mulher que sempre teve uma opção a favor das mulheres mais desfavorecidas, mesmo nos assuntos mais controversos, ainda que os seus textos se devam ler no contexto em que ela os produzia, bem como a quem falava e a quem se dirigia. Essa sua abordagem em função do quadro histórico e político, assente numa dada realidade das mulheres e do País, está certamente presente quando trata o tema do aborto clandestino, considerado crime, em artigo escrito em 1929 em O Povo[4] onde reclama a tolerância da lei penal para as mulheres que abortam, a par da urgência do apoio à maternidade e à infância. Passados anos, em 1974, afirma ser contra a legalização do aborto[5]. Importaria perceber o contexto em que o texto, muito curto, foi escrito para avaliarmos o alcance das suas palavras.
Para além dos inúmeros artigos publicados em jornais e revistas, é autora de vários livros como O poder maternal, A lei em que vivemos e Coisas de Mulheres.
A 26 de Abril de 1985, por ocasião do encerramento da Década da ONU para a Mulher, foi condecorada em cerimónia pública pelo Presidente da República com o grau de Oficial da Ordem da Liberdade. Elina Guimarães é uma das sete mulheres que Ramalho Eanes condecorou pessoalmente, escolhidas “pelo seu exemplo e actividade nas áreas de sua intervenção para realçar a acção da mulher na sociedade portuguesa”.
O MDM concedeu-lhe a Distinção de Honra em 1986 que lhe foi entregue em sua casa por Carolina Mega do Secretariado Nacional do MDM. Em 1983, será homenageada pela Revista Mulheres. Em 1988, foi candidata ao Prémio Mulheres da Europa. Foi membro de várias associações internacionais de mulheres como o Conselho Internacional de Mulheres, a Aliança Internacional para o Sufrágio Feminino, a Federação Internacional de Mulheres Universitárias e a Federação Internacional de Mulheres Diplomadas em Direito.
Foi uma mulher que acolheu a alvorada de Abril com a esperança de que o rumo das mulheres seria outro. No opúsculo já citado, datado de Maio de 1975, terminava dizendo “… E veio o 25 de Abril de 1974… do que se passou depois ainda é cedo para falar. A mulher esteve presente e continua presente. Em todos os partidos e no próprio dia das eleições ela apareceu com firmeza e dignidade. Agora, sim! Deixou de ser espectadora (…)”
Mais tarde, numa revisão do texto, acrescentava “Logo após este movimento do 25 de Abril se pressentia que iam abrir-se novas perspectivas para a mulher (…) Porém, o diploma fundamental foi a Constituição Política entrada em vigor a 25 de Abril de 1976, que estabelece a igualdade entre os sexos a todos os níveis, incluindo na família”[6].
O seu nome figura como rasto na Toponímia das freguesias Ameixoeira (Lisboa), de Pontinha (Odivelas), Fernão Ferro, (Seixal), São Lourenço (Setúbal), Costa da Caparica (Almada) e figura nos dicionários das mulheres célebres do nosso país.
[1] Elina Guimarães, Mulheres Portuguesas. Ontem e hoje. CCF, 24, 1989, 3ªed. Frase com que termina o opúsculo. A figura de Antígona, da tragédia de Sófocles, nas suas várias interpretações, desempenhou um papel simbólico da grandeza feminina, desafiando e transgredindo o poder autoritário instituído.
[2] Entrevista dada a Helena Neves, Revista Mulheres, Dez.1983, Elina Guimarães Feminista da Segunda Vaga?
[3] Elina Guimarães, Mulheres Portuguesas. Ontem e hoje, CCF, 24, 1989, 3ªed.
[4] CIDM, Elina Guimarães, Uma Feminista Portuguesa, Vida e Obra (1904/1991), 2004.
[5] Ver Elina Guimarães, Coisas de Mulheres, Editorial Promoção, Porto, 1975, p. 185 e os artigos em O Povo, pp.62/63
[6] Elina Guimarães, Mulheres portuguesas, ontem e hoje, CCF, 1989, 3ª edição, p. 29