EM MOVIMENTO

Centenário do Nascimento de Maria Alda Barbosa Nogueira

Maria Alda Barbosa Nogueira faria 100 anos a 19 de Março de 2023

O MDM celebra o 100º aniversário de Maria Alda Nogueira, dirigente do seu Conselho Nacional e fundadora deste Movimento, com a gratidão do seu legado e empenho na causa da libertação e emancipação das mulheres que é apanágio de gerações de mulheres no nosso tempo, continuadoras da sua vigorosa luta.
Maria Alda teve uma vida dedicada à defesa dos direitos das mulheres, da liberdade, da justiça social e da paz. Foi condecorada com a Medalha de Honra do MDM no ano de 1987 e em 1988 é agraciada com o grau de grande-oficial da Ordem da Liberdade. Não é possível silenciar nem apagar da história das mulheres do Séc. XX esta “Personalidade irreverente, aberta, sempre atenta, sedenta imparável de vida” que foi Maria Alda Nogueira.

Maria Alda Nogueira nasceu na freguesia de Alcântara, em Lisboa, a 19 de março de 1923 e faleceu em 5 de março de 1998. Filha de pais operários, a mãe Vitória Barbosa Nogueira era costureira e o pai, António Pedro Nogueira, era serralheiro mecânico. Terminou a licenciatura em Ciências Físico-Químicas em 1945-1946, tendo exercido a docência e investigação nessa área. Trabalhou durante três anos em Olhão e depois
na Escola Alfredo da Silva no Barreiro e na Voz do Operário em Lisboa.
Membro do PCP desde 1942 passa à clandestinidade em 1949. Uma das primeiras tarefas que tem dentro do Partido é no sector da Mobilização e Organização das Mulheres Comunistas. O seu contributo era o de mobilizar as mulheres e acompanhar a sua actividade nos movimentos de massas – movimentos democráticos associativos, recreativos, desportivos ou outros.

É autora de vários livros para crianças, que começa a escrever na cadeia e só depois são editados: A Viagem numa Gota de Água e A Viagem numa Flor, histórias inspiradas nas perguntas que o seu irmão e seu filho, quando crianças, lhe faziam.

Ficou conhecida pelo seu percurso como Resistente Antifascista, comunista, grande lutadora pela emancipação da mulher. Pertenceu à Associação Portuguesa Feminina para a Paz, associação criada em 1935, cuja actividade em prol da Paz foi marcante. A APFP sempre ligou a Paz com os direitos das mulheres e das crianças, numa época de lutas de mulheres contra a guerra e pelo pão, contra as carências que sufocavam o país. Em entrevista à revista Mulheres, confirmava “Nunca morreram tantas crianças que morriam pura e simplesmente porque tinham fome” (1)

A luta pela Paz é para Maria Alda uma causa intrínseca à causa das mulheres, uma luta que conhece um epílogo nos anos 80 contra as armas nucleares e pelo desarmamento. É uma luta “longamente vivida e sofrida pelas mulheres de todo o mundo. Mas elas persistem e o seu movimento é cada vez mais forte porque elas representam a vitória da vida sobre a morte” (2)

Em 1945 conhece Maria Lamas e com ela trabalha no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas – que renasce para um período intenso de actividade e de desenvolvimento -mas logo encerrado pelo governo fascista em junho de 1947.

A sua actividade de resistência à ditadura levou-a à clandestinidade ao serviço do seu partido. Foi presa pela PIDE em 4 de Outubro de 1959 e julgada em 22 de Outubro de 1960, tendo sido condenada a 8 anos de prisão.

É a primeira mulher condenada a uma tal pena de prisão por motivos políticos. As tenebrosas medidas de segurança que abriam o caminho para todas as arbitrariedades da PIDE fizeram que tivesse passado nove anos e dois meses nos cárceres fascistas. Assim, lhe tiraram-lhe os melhores anos da sua vida.

É eleita para o Comité Central do PCP em 1957 no V Congresso. Voltou à clandestinidade em Abril de 1970 (3). Mesmo na prisão, em 1961, dirige-se às Organizações Femininas e Democráticas do Mundo Inteiro chamando a atenção para os dramáticos efeitos do clima repressivo da polícia política sobre os sentimentos e afectos das mulheres presas. Em carta que Fernanda Paiva Tomás guarda no seu arquivo pessoal, Maria Alda Nogueira escreve:

Não posso beijar o meu filho de cinco anos e a minha velha mãe de 70. Gestos naturais de carinho têm de ser recalcados, conversas íntimas estancadas, porque no parlatório as redes e a distância nos separam da família e um guarda escuta-nos de perto e ostensivamente.

(4)

Da dureza da vida clandestina, dos castigos infringidos às mulheres nas prisões fascistas e das torturas psicológicas a que foi sujeita, Maria Alda fala na primeira pessoa a Rose Nery em Mulheres Portuguesas na Resistência (5). Parte da sua história de vida recheada de memórias e de afectos desde menina, contada também de maneira muito carinhosa e sentida, está documentada na edição do Movimento Democrático de Mulheres: Uma Mulher, Uma Vida, Uma História de Amor. (6)
No dia 25 de Abril, exilada política na Bélgica recebe a boa nova do seu país liberto e regressa pronto a Lisboa, ao seu bairro, a Alcântara, onde sempre viveu. Seguiram-se dias para encontrar amigos, ver as mulheres de risos soltos vividos com uma esperança e uma alegria esfusiante. Pôr fim à guerra colonial, partilhar o imenso amor maternal com aquelas que viram partir para uma guerra injusta que condenou à morte e ao estropiamento tantos dos seus filhos, é o desejo imenso de Maria Alda. Com a mesma alegria retoma a luta com as mulheres sendo parte activa na efectivação das conquistas de Abril.
Foi deputada do PCP na Assembleia Constituinte e na Assembleia da República de 1976 a 1986. Foi Presidente da Comissão Parlamentar da Condição Feminina de 1983 a 1985 que teve um papel relevante no reconhecimento público das associações de mulheres nesta fase da democracia. Foi uma dinamizadora, activista e dirigente entusiasta do Movimento Democrático de Mulheres. Sempre presente tinha ligações de grande amizade muitas mulheres da sua geração com quem travou batalhas na resistência, mas com mulheres mais novas com quem foi tecendo redes de amizade e solidariedades.
Em 29 de Novembro 1987, recebeu a Distinção de Honra do Movimento Democrático de Mulheres, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, numa sala repleta e entusiasta, numa homenagem nacional a uma vida dedicada à defesa dos direitos das mulheres, da liberdade, da justiça social e da paz.
O seu busto em pedra, da autoria do escultor António Trindade, encontra-se no claustro na Assembleia da República.
Consagrada como mulher de Abril, Maria Alda passou a figurar na toponímia de várias terras de que são exemplo Paio Pires (Seixal), Feijó (Almada), Amadora e Agualva-Cacém (Sintra).
Numa singela homenagem que o seu grupo parlamentar lhe fez, o escritor José Manuel Mendes, então deputado do PCP, dedicou a Maria Alda este belo poema panegírico da sua personalidade irreverente, aberta, sempre atenta, sedenta imparável de vida.

Os olhos sempre arderam onde a luz
Emergia devagar: e assim moldaram
a manhã: uma praia imensa em flor
quando as vozes cativas despontaram

as mãos abriram rios entre os cactos,
foram nascentes ávidas de mar;
tecem ainda o linho da esperança,
o rosto da ternura por achar.

que passos estes em que os nossos colhem

a espuma das porfias e dos sonhos?
De longe vêm: rumores de liberdade.

E um coração maior do que a alegria
Bate à porta dos dias mais tristonhos:
Com ele a vida já não tem idade.

(1) Entrevista à Revista Mulheres, 66, Outubro de 1983
(2) ibidem
(3) Cristina Nogueira, Vidas na clandestinidade, Edições Avante, Lisboa, 2011, p.174
(4) Ibidem p. 175. Tratou-se de um abaixo-assinado, em forma de testemunhos dirigido às organizações da FDIM, assinado por Maria Luisa Costa Dias, Maria Albertina Diogo, Ivone Dias Lourenço, Aida de Freitas Loureiro Magro, Maria da Piedade Gomes dos Santos, Maria Angela Vidal, Aida da Conceição Paula, Maria Alda Nogueira, Fernanda Paiva Tomás, também elas presas.
(5) Rose Nery Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas na Resistência, Seara Nova, 1975, pp. 175-190.
(6) Maria Alda Nogueira, Uma Mulher, Uma Vida, Uma história de Amor, documento editado pelo MDM marcando a entrega da Distinção de Honra do MDM, em 29 de novembro de 1987.

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