Beatriz Magalhães Almeida Cal Brandão nasceu no Porto, em 1914, e faleceu em Gaia, no dia 20 de Agosto de 2011.
Deputada à Assembleia Constituinte.

Graças ao 25 de Abril muitos passos em frente foram dados, muitas conquistas foram feitas.*

Beatriz Magalhães Almeida Cal Brandão nasceu no Porto, no ano de 1914, no seio de uma família da média burguesia, com fortes convicções republicanas e democráticas. O seu pai era Francisco de Almeida Dias Pinheiro e sua mãe, Beatriz Monteiro Magalhães Almeida. Faleceu aos 97 anos em Gaia, no dia 20 de Agosto de 2011. Formada no Instituto Industrial do Porto em Química-Técnica[1], dirigiu durante algum tempo, na qualidade de Assistente Técnica de Engenharia, uma fábrica de cerâmica em Vila Nova de Gaia. Aí se fizeram azulejos para a oposição ao salazarismo e de solidariedade com os presos políticos. As edições de azulejos pela Paz e pela Santa Liberdade correspondiam a algumas das muitas formas de apoio à resistência contra a ditadura. Lutadora antifascista desde a juventude, Beatriz Cal Brandão esteve presa diversas vezes, tendo sido durante uma das suas prisões que conheceu Mário Cal Brandão, com quem casou e viveu durante toda a sua vida.

A historiadora Luisa Tiago de Oliveira que teve uma linha de afectos com a família de Beatriz, explica como a “casa grande” da família Almeida se torna o abrigo de todas as pessoas da família e de muitas outras. Por ali passaram familiares que iam para o Porto estudar, mas também oposicionistas ao regime de Salazar para quem a casa sempre esteve aberta. Beatriz viveu num ambiente materno republicano. Ainda estudante, foi presa com sua mãe e uma tia porque escreviam cartas anónimas e ouviam a BBC para terem conhecimento do que se passava na Guerra Civil de Espanha e “nessas cartas tentavam difundir a esperança para um dos lados que esteve na guerra de Espanha, o lado que combateu pela vida não o que combateu pela morte” [2].

Pode dizer-se que a sua formação feminista advém dessa linhagem de mulheres dos anos 30 e 40 em que as mulheres tiveram de facto um protagonismo organizado. Pertenceu ao ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP) e à Associação Feminina Portuguesa para a Paz (AFPP), associação que reunia então grande número de jovens estudantes. No Porto, uma das fundadoras da AFPP[3],  em 1936, foi sua sogra, Maria Amélia Cal Brandão, mulher republicana muito corajosa e com quem Beatriz sempre conviveu partilhando ideais.

Beatriz Cal Brandão, com Maria Lamas, Clementina Carneiro de Moura, Cesina Bermudes, Maria Alda Nogueira, Natália Correia, Francine Benoît e Maria Estanco Louro, assina um documento que é publicado no Diário de Lisboa em 30 de Outubro de 1945, sob o título, As mulheres e o movimento de oposição. Desta forma, o movimento de mulheres reunindo antifascistas, democratas, socialistas, comunistas, com seus rostos e nomes próprios, davam visibilidade à participação com opinião própria e singular. Assim se integravam na rede de protestos e posicionamentos sobre os acontecimentos políticos relevantes no país, dos quais dependiam também os êxitos da libertação das mulheres.

Beatriz de Almeida Cal Brandão, fundadora com outros do Partido Socialista, foi eleita no pós-25 de Abril como deputada à Assembleia Constituinte, e depois à Assembleia da República, exercendo o seu mandato durante várias legislaturas até 1985. Foi uma subscritora do Projecto-Lei do PS sobre exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez (Projecto de Lei n.º265/III apresentado em 12 de Janeiro de 1984) na mesma altura em que o PCP retomou os seus três Projectos sobre maternidade, planeamento familiar e educação sexual e IVG, que apresentara em 1982.

Pode dizer-se que sentiu e viveu as questões da condição feminina, antes e depois do 25 de Abril, partilhou sentimentos e ideais que ficaram inscritos na Constituição de Abril, como testemunha a sua intervenção na Assembleia da Republica. Numa saudação ao Dia Internacional da Mulher, na Assembleia da República, corria o ano de 1985, culminando a Década da Mulher declarada pela ONU, o seu apego à luta de resistência pela liberdade e a igualdade, conquistadas com Abril, é eloquente e expressivo. As suas primeiras palavras vão para os grandes princípios que a animaram no 25 de Abril e que expressou naquela tribuna, desta forma: “A aspiração da liberdade, a dignificação que nos é devida e o acesso à igualdade de direitos, consubstanciam uma luta desgastante mas sempre renovada pela vontade das mulheres que sempre lutaram para vencer obstáculos”. Sem falar de algumas lacunas que outras deputadas salientaram nessa travessia de mais de uma década sobre a alvorada de Abril, Beatriz é uma mulher convicta da sua grande importância. “Graças ao 25 de Abril muitos passos em frente foram dados, muitas conquistas foram feitas”. Entre essas conquistas salienta os três diplomas aprovados de Junho a Setembro de 1974 que permitiram o acesso das mulheres à magistratura, à carreira diplomática e a todos os cargos da carreira administrativa. Refere-se ainda às alterações positivas do artigo 24ºda Concordata que, em 1975, permitiram o divórcio aos casados pela Igreja católica. Em 25 de Abril de 1976, data da entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa, na tribuna da Assembleia reconhece o 25 de Abril como a data onde se estabelece a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, ao mesmo tempo que se congratula com a Constituição aprovada, porque se trata de um diploma “que é para nós motivo de orgulho por que, após 50 anos de obscurantismo, apresenta uma grande abertura à liberdade, igualdade e justiça”.

Defensora dos direitos das mulheres, Beatriz Cal Brandão recusa paternalismos, como se conclui do seguinte trecho “Muitas reformas se têm feito com franco benefício para todas nós, mulheres, numa linha em que a igualdade não é um benefício mas um direito” [4]

Beatriz Magalhães de Almeida Cal Brandão foi distinguida com a Ordem da Liberdade em 9 de Junho de 1995. Ainda em vida, foi homenageada durante o II Encontro Autárquico das Mulheres Socialistas que decorreu no Porto em 2010. Na altura foi destacada a sua “extraordinária capacidade intelectual” e a conciliação que conseguiu fazer entre a família e a defesa dos grandes valores da solidariedade, da fraternidade, estando sempre na luta das mulheres.

O seu corpo jaz no cemitério de Agramonte, no Porto. O seu nome consta da Toponímia da Freguesia de Águas Santas no concelho da Maia, perpetuando a sua história de vida no local onde viveu.

*palavras da própria na Assembleia da República – 9 de Março 1985

[1] Dados biográficos constantes na ficha pessoal dos deputados no arquivo da Assembleia da República

[2] Luisa Tiago de Oliveira, numa Conferência no dia 6 de fevereiro de 2014,  sobre a vida de Beatriz e Mário Cal Brandão na Fundação Mário Soares, no âmbito do ciclo “Vidas com sentido”.

[3] A AFPP, criada em 1935, abriu uma delegação no Porto em 1936.

[4] In DAR, I série, número 55, 9 de Março de 1985, III legislatura, 2ª sessão (1984-1985)

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