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2º CONGRESSO MARIA LAMAS

Declaração do Congresso Maria Lamas. Vida e a Obra. Actualizar o Pensamento. Abalar a indiferença.


O Movimento Democrático de Mulheres (MDM) promoveu, em Maio de 2004, no Porto, o Congresso Maria Lamas – Uma mulher do Nosso Tempo. Estudámos, então com vários especialistas, as suas ideias e o seu pensamento, percorrendo alguns dos aspectos mais salientes da sua obra, revendo publicações, completando informação e ouvindo pessoas com quem ela conviveu ou a quem deixou valiosos testemunhos de vida e de luta em prol da liberdade, da dignidade das mulheres e do género humano.

Neste 2º Congresso, continuamos a revisitar a sua obra, conferindo sentidos actuais às suas palavras, interpretando-as na teia das complexas relações dos nossos dias, na sua historicidade politica e social, com os diferentes enfoques e abordagens que a investigação multidisciplinar e multifacetada do nosso tempo exige. Abordagens que o movimento de mulheres, particularmente o MDM, tende a aglutinar para reforçar a sua intervenção, quiçá, hoje como ontem, “abalar a indiferença, ou antes, a ironia com que os portugueses usam encarar os problemas femininos” na esperança de que alguém possa “estender a mão, firmemente, às grandes sacrificadas, vítimas milenárias, que continuam a ser as obreiras da vida”.

Revitalizar a memória de Maria Lamas é um dever de reconhecimento político, no sentido mais nobre da palavra que urge hoje reabilitar. É um dever na nossa actualidade lutar contra o esquecimento e a tentativa de se apagarem brilhantes páginas da nossa luta pela transformação da sociedade e pelos direitos das mulheres. Sobre a condição das mulheres e os diversos campos de intervenção onde se notabilizou, o pensamento intemporal de Maria Lamas irradia no tempo presente. Foi Presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, pertenceu à Associação Portuguesa Feminina Para a Paz e foi Presidente honorária do MDM. No plano internacional integrou a Presidência do Conselho Mundial da Paz e foi membro fundador da Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM). Custou-lhe a sua acção e determinação politica, o exílio e a prisão. Em vida, após o 25 de Abril foi acarinhada, homenageada, enaltecida pelo MDM, por intelectuais, por parlamentares, pela Assembleia da República, pela Presidência da República. Ficará para sempre o seu sorriso de agradecimento, a sua grande modéstia, revelando a grandeza do seu carácter e nobreza de espírito. O testemunho e o exemplo de Maria Lamas nas suas várias dimensões, como mulher, escritora, jornalista, mulher comprometida e de acção política, dinamizadora e impulsionadora do movimento de Mulheres, com destaque para o CNMP e MDM, incita-nos a não desistir, a organizar e a ir ao encontro das mulheres do nosso país. (In As Mulheres do Meu País)

Não esquecemos que foi uma insigne defensora do progresso universal indissociável da paz, da igualdade entre homens e mulheres, uma igualdade traduzida “na realidade da vida humana e na construção do seu destino e da sua felicidade”, uma realidade de justiça social que é indissociável da felicidade humana. Nestes tempos por que passamos que mergulharam a dignidade das mulheres em constante sobressalto, quando cresceram no espaço público e privado as humilhações, as violências e maus tratos sobre as mulheres, a pobreza e o desemprego ou o trabalho precário e mal pago para as várias gerações de mulheres, a desqualificação profissional de jovens com altas habilitações, os ritmos intensos de trabalho ou a desregulamentação dos horários que impedem o acompanhamento das crianças e a conciliação da vida profissional com a vida familiar, impõe-se:

1. Revivificar as palavras de Maria Lamas, no seu cabal entendimento do que são as transformações humanas em prol da dignificação das mulheres, mirando como ela o amor, os sentimentos pessoais, entre a intimidade e o público, os laços afectivos de amizade e solidariedade, a participação política e cívica, a dureza da vida das mulheres sem perder de vista ora o quotidiano, as tradições e os costumes ora o tecido institucional e organizativo, a teia de relações que as modela e de que elas próprias são tecedeiras;

2. Uma qualificada intervenção política e social, por parte das organizações de mulheres, um abrir de novas páginas de luta com vista a um progressivo questionamento da comunidade científica e intelectual exigindo um novo fôlego de activismo em torno da relevância dos direitos das mulheres, como matéria em aberto, mas indissociável do progresso da humanidade;

3. Um crescendo de acções em prol da paz e dos direitos humanos, hoje tão ameaçados pelas mesmas forças que desde a 2ª Guerra Mundial, não desistiram de semear bombas, de promover a corrida aos armamentos, de acender novos “monstros de guerra”, gerando o pânico e o medo, provocando a morte a milhões de seres humanos hoje deslocados ou refugiados por força da guerra e da fome. Maria Lamas, mulher da palavra inconformada e comprometida, a sua abrangência intelectual e política atravessou fronteiras geográficas e culturais, tendo deixado um enorme legado de publicações com marcos que perduram no tempo, em defesa dos valores da dignidade das mulheres e dos oprimidos, da paz, da civilização e progresso, da dignificação do género humano.

Maria Lamas distinguiu-se perante as mulheres e o povo português, na sua trajectória de luta, acompanhada por muitas outras. Foi na verdade um exemplo de ética que queremos que perdure nos nossos corações e na nossa razão de vida pessoal e como um movimento voltado para o mundo.

Já no fim da sua vida, muito lúcida, sempre preocupada com o amor e a felicidade humana, Maria Lamas tomava partido: “Povos felizes são povos que têm trabalho garantido, que não têm fome, que não sofrem perseguições, que desfrutam de uma vida pacífica”.

Foi de facto uma mãe-coragem!

Pelo que, declaramos que a sua obra – infantil e autorreferencial – plena de ensinamentos mas esgotada merece ser reeditada por quem de direito e boa vontade e deve ser lida nas bibliotecas dos municípios e das escolas; deve ser estudada na comunidade científica na universalidade das suas temáticas que hoje já têm um merecido estatuto científico.

As mulheres do meu País e a Mulher no mundo são inequivocamente fundamentais como obras pioneiras para a história das mulheres e dos seus movimentos transformadores ao longo dos séculos.

Se o século XX foi o Século das Mulheres e das suas grandes conquistas, Maria Lamas trouxe até nós, desde os anos 30, um inegável contributo. Quanto a nós, MDM, colaboraremos com todos os que vão progressivamente mostrando interesse nesta figura ímpar e já secular e pomos à disposição o arquivo digital Maria Lamas, onde desocultamos parte da sua memória e do espólio que entre nós se foi construindo.

A atribuição da Honra de figurar no Panteão Nacional, proposta levada pelo Conselho Nacional do MDM à Assembleia da República no 120º aniversário do seu nascimento e pela qual lutaremos em conjugação com os sentires deste 2º Congresso, pode ser uma importante e justa homenagem que ainda falta mas também será um momento alto para revitalizar o pensamento e a obra de Maria Lamas junto das comunidades para quem se dirigiu, um tributo à luta milenar das mulheres que ela tão bem descreveu e relatou. Um grande momento para darmos sentido actual às suas palavras em prol de uma cultura democrática e de liberdade, interpretadas na relação com os tempos difíceis que viveu, convivendo com os sentimentos e cumplicidades, com a ternura dos seus gestos individuais e colectivos de que somos herdeiras.

Tal honra, seria um tributo, a todas a mulheres de hoje “sobre as quais pesam tantas injustiças, ignominias e amarguras”4 dispostas como ela a agirem e a lutarem “Por uma nova manhã, mais luminosa e de maior esplendor”, segundo as suas belas palavras no Despertar de Silvia.

Almada, 12 de Dezembro de 2015

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