Maria de Lourdes Ruivo da Silva de Matos Pintasilgo nasceu em Abrantes a 18 de janeiro de 1930 e faleceu a 10 de julho de 2004, em Lisboa.
Engenheira

A intervenção das mulheres – isto é, de metade da humanidade – na vida pública, pode representar uma força de transformação essencial[1]

 

 

Maria de Lourdes Ruivo da Silva de Matos Pintasilgo nasceu em Abrantes a 18 de janeiro de 1930 e faleceu a 10 de julho de 2004, em Lisboa, aos 74 anos. Filha de Jaime de Matos Pintasilgo, empresário ligado à indústria de lanifícios da Covilhã e de Amélia do Carmo Ruivo da Silva Matos Pintasilgo, doméstica.

Em 1953, com 23 anos, licenciou-se em Engenharia Químico-Industrial, pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa, numa época em que eram poucas as mulheres que enveredavam pela área da engenharia. Entre os 250 alunos do seu curso, apenas três eram mulheres. Com a opção por esta licenciatura, desejava mostrar que o desafio do mundo industrial e a novidade da técnica eram também acessíveis às mulheres.

Iniciou a sua carreira profissional em 1953 como investigadora na Junta Nacional de Energia Nuclear. Em julho de 1954, foi nomeada chefe de serviço no Departamento de Investigação e Desenvolvimento da Companhia União Fabril (CUF) que pela primeira vez, admitiu uma mulher nos seus quadros técnicos superiores. Trabalhou sucessivamente nas fábricas do Barreiro e nos Centros de Investigação de Sacavém e Lisboa. Entre 1 de setembro de 1954 e 30 de outubro de 1960, assumiu a direcção de projectos no Departamento de Estudos e Projectos da CUF.

Entre 1970 e 1973, trabalhou como consultora do Ministério das Corporações e Previdência Social. Presidiu ainda, a convite de Marcello Caetano, ao Grupo de Trabalho para a Participação da Mulher na Vida Económica e Social.

Manteve-se no Ministério das Corporações e Previdência Social até à instituição da Comissão para a Política Social relativa à Mulher, mais tarde Comissão da Condição Feminina da qual foi nomeada presidente. Foi titular deste cargo desde 1973, interrompendo para integrar alguns Governos Provisórios no pós 25 de abril. Foi nomeada Secretária de Estado da Segurança Social no I Governo Provisório pós revolução chefiado pelo Prof. Adelino da Palma Carlos e titular do Ministério dos Assuntos Sociais no II e III Governos, estes liderados pelo General Vasco Gonçalves entre 17 de julho de 1974 e 25 de março de 1975. Em 1 de maio 1975, retomou a presidência da Comissão da Condição Feminina, permanecendo aí até à tomada de posse como embaixadora junto da UNESCO, a 8 de agosto de 1975, onde desempenhou um destacado papel durante os três anos e meio de exercício de funções.

Foi a única mulher que ocupou o cargo de Primeira-Ministra em Portugal, indigitada em 19 de julho de 1979, pelo Presidente da República, General Ramalho Eanes, para chefiar o V Governo Constitucional. Foi o Governo mais curto no pós 25 de Abril. Durou apenas 100 dias.

Em 1980, Maria de Lourdes Pintasilgo apoiou a candidatura do General Ramalho Eanes à Presidência da República de quem foi consultora entre 1 de outubro de 1981 e 1 de fevereiro de 1985.

Candidata à Presidência da República nas eleições de 1986, obteve apenas 7,4% de votos, num leque de candidatos em que competiam Mário Soares, Salgado Zenha e Freitas do Amaral. Contudo, não desistiu da política institucional. Como independente, foi candidata ao Parlamento Europeu integrada na lista do Partido Socialista. Eleita, manteve-se como deputada no Parlamento Europeu entre 1986 e 1989.

Activista católica, integrou vários movimentos nacionais e internacionais ligados à Igreja. Militou na Juventude Universitária Católica, no Movimento Internacional de Intelectuais Católicos Pax Romana e no GRAAL, movimento que introduziu em Portugal em 1957 com Teresa Santa Clara Gomes. No GRAAL, foi mentora de projectos de financiamento europeu ligados às questões da família, da mulher e da igualdade de oportunidades. Mais tarde foi dinamizadora do Movimento para o Aprofundamento da Democracia. Desempenhou papéis de grande destaque no contexto da Igreja, desenvolveu um pensamento político cristão próprio, o que justificou a sua nomeação pelo Papa Paulo VI, como representante da Igreja Católica num grupo de ligação ecuménica com o Conselho Mundial das Igrejas. Entre 1991 e 2002 foi membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, eleita pela Assembleia da República. Torna-se desde 2001, presidente da Fundação Cuidar O Futuro, por si concebida e instituída pela Associação GRAAL.

Teve uma actividade internacional notável. Foi membro de muitas organizações internacionais, nomeadamente de mulheres, que terão contribuído para alicerçar a sua cultura política e religiosa em prol da dignificação das mulheres. Pertenceu ao Conselho de Women World Leaders de Cambridge, em 1998.

A Universidade de Coimbra e a Fundação Cuidar O Futuro assinaram o termo de doação que transferiu para o Centro de Documentação 25 de Abril a responsabilidade de guardar, tratar e disponibilizar de forma pública o arquivo político e pessoal de Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004) que tem cerca de 250.000 documentos de tipologia muito diversa. Deixou uma vasta obra bibliográfica e documental[1]. Voltada especificamente para as questões das mulheres destacamos Os Novos Feminismos, Interrogação para os cristãos?, editado em 1981, pela Moraes Editores, cujo título original “Les nouveaux Féminismes” tinha sido editado no ano anterior em França. Considerados monumentos feministas são os prefácios às várias edições das Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa[2]. Em 1999, prefaciou também a obra de Maria Regina Tavares da Silva, A Mulher – Bibliografia Portuguesa Anotada (1518-1998), onde volta a exprimir um pensamento cristão sobre a condição feminina. Em 1981, dá uma entrevista em exclusivo à Revista Mulheres onde percorre a sua vida e os desafios que enfrentou, confessando que “Sim, há muito de aventura na minha vida. Eu tenho mesmo a sensação que a vida é sempre uma nova aventura, uma nova maravilha que todos os dias se trava, se descobre” [3].

Maria Teresa Horta que conduz a entrevista, não esconde a sua grande afinidade com esta mulher que foi capaz de criar laços com muitas outras, de «ser mulher» em todos os momentos da sua vida. “Entre nós, escreve Teresa Horta na mesma Revista, há uma amizade que tem vindo a ser construída ao longo dos anos, uma cumplicidade assumida, uma certa alegria que vem da consciência de sermos mulheres e do que isso representa em termos de sociedade, de cultura, da vivência do nosso próprio quotidiano.” 

A escrita e as investigações que conduziu manifestam a sua preocupação em tornar visível as suas propostas como alternativas aos paradigmas políticos existentes que considera genericamente inadequados. Insistentemente declara a independência da sua reflexão política face aos partidos políticos portugueses. No desempenho das suas funções políticas diz ter sido muitas vezes maltratada por partidos de direita, por ser inconformista. Na verdade, nunca foi neutra nas suas opções. As suas opções ideológicas e políticas estão espelhadas nos textos publicados e são nítidas nos apoios públicos que deu a formações políticas concretas, nomeadamente quando é eleita para o Parlamento Europeu nas listas do PS.

O seu pensamento relativamente aos movimentos de mulheres e à participação das mulheres na vida pública está em grande medida expresso em longas entrevistas que foi concedendo enquanto Primeira-Ministra, cujo recorte aqui assinalamos[4].

Viveu o 25 de abril e sobre o que então se passou, é assertiva.

Durante esses meses o povo deu um salto gigantesco em termos de democracia. Tivemos uma irrupção enorme, a todos os níveis e em todas as estruturas sociais, da experiência do povo a gerir os seus próprios negócios e os seus próprios interesses[5].

A Isabel Barreno, então jornalista da revista americana Ms, que a interpela sobre a sua posição sobre os problemas respeitantes às mulheres, dá uma nota coincidente com o que muitas de nós temos defendido, dizendo “Não vejo a luta das mulheres como uma luta exclusiva e isolada; vejo-a como uma das muitas formas de discriminação que se fazem sentir na sociedade. O sexismo é, como o racismo, uma praga social, … é uma violação dos direitos humanos”[6].

Isabel Allegro de Magalhães visita os seus textos com alguma exaustão. Os excertos que a seguir reproduzimos sinteticamente dão a dimensão dos dois conceitos fundamentais do seu pensamento: o cuidar e o espaço público[7].

Para Maria de Lourdes Pintasilgo, o espaço público é um espaço da política porque nele se exercem as vozes cidadãs, participantes de direito na decisão política e com a função de avaliação permanente do poder – o contrário da sociedade anónima, massificada, à margem da política ou duma «opinião pública» sem dimensão e eficácia política.

Para que haja esse espaço público dinâmico Maria de Lourdes Pintasilgo dá particular ênfase aos direitos das mulheres, denunciando a sua gritante desigualdade como uma das graves violações dos direitos humanos, e no convencimento de que não há espaço público democrático sem a participação das mulheres em todas as instâncias e decisões da vida pública. E defende que não é só pela sua força numérica, mas pela diferença qualitativa que a sua presença pode significar. Enquanto transversais a todas as outras, as questões das mulheres são por si consideradas essenciais para a mudança da política.

Maria de Lourdes Pintasilgo tornará o cuidar como a primordial exigência da acção política, fazendo da acção de cuidar a responsabilidade central de toda a política, ou seja, uma governação articulada com a cidadania no espaço público. O objectivo é o de instaurar uma nova ética, que designa como ética do cuidado.

A Fundação Cuidar o Futuro editou em 2014 uma Antologia de textos de MLP intitulada Para um novo paradigma: um mundo assente no cuidado como uma homenagem àquela que foi a sua fundadora e inspiradora.

Maria de Lourdes Pintasilgo teve uma imensa repercussão nacional e internacional. Foi galardoada, em 7 de março de 1986, com o The 1986 Living Legacy Award atribuído pelo Women’s International Center, em San Diego (Califórnia). Em 1990, no dia 2 de fevereiro, recebeu o doutoramento honoris causa pela Universidade Católica de Lovaina na Bélgica.

Em Portugal, foi condecorada com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo em 1981, tornando-se na primeira mulher agraciada nessa Ordem, com esse grau; e em 10 de junho de 1994 recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Infante. No Brasil foi-lhe atribuída a Medalha Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras em 13 de novembro de 1997.

O seu nome figura na toponímia nomeadamente em Lisboa, mas também em terras mais periféricas como Pinhal Novo, concelho de Palmela e na Aldeia de Paio Pires, concelho de Seixal, ficando assim territorializado o seu nome.

Outras Consultas: http://www.arquivopintasilgo.pt

[1] http://www.arquivopintasilgo.pt

[2] Prefaciou a 1ª edição em 1972 e depois a segunda em 1974 e em 1980 fez  o Pré-Prefácio e o Prefácio da 3.ª edição daquela obra.

[3] Revista Mulheres, Março de 1981, nº35, pp17-19.

[4] Maria de Lourdes Pintasilgo, Sulcos do nosso querer comum, Afrontamento, Porto, 1980.

[5] Maria de Lourdes Pintasilgo, Sulcos do nosso querer comum, Afrontamento, Porto, 1980. Entrevista a O Jornal de 20 de Julho de 1979.

[6] Ibidem, p.118

[7] Isabel Allegro de Magalhães, A dimensão do cuidar e a ressignificação do espaço público no pensar e agir de Maria de Lourdes Pintasilgo, Ex aequo 21,Vila Franca de Xira, 2010

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