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Francine Germaine Van Gool Benoît, nasceu em Périgueux, França, a 30 de Julho de 1894. Morreu em Lisboa, a 27 de Janeiro 1990.
Musicóloga

A minha vida ganhou um novo sabor depois do 25 de Abril [1]

Francine Germaine Van Gool Benoît, nasceu em Périgueux, França, a 30 de Julho de 1894 e morreu em Lisboa no dia 27 de Janeiro de 1990. Musicóloga, compositora, professora, crítica musical e ensaísta. Veio para Portugal em 1906.  Fixou-se com os pais em Setúbal tendo adquirido a nacionalidade portuguesa em 1929.

Aos 12 anos, quando chega a Portugal, inicia os seus estudos na Real Academia de Amadores de Música tendo como professores Eugénio Costa (Piano) e Tomás Borba (Classe de Solfejo). Realizou os cursos superiores de Piano e Harmonia no Conservatório Nacional de Lisboa, nas classes dos professores Alexandre Rey Colaço e Eduardo Costa Ferreira, culminando com a sua distinção, por unanimidade, em Harmonia. Frequentou entre 1917 e 1919 os cursos de Composição de Vincent d’Indy na Schola Cantorum de Paris.
Em 1950, foi admitida como professora na Academia de Amadores de Musica, dirigindo desde então o núcleo orfeónico A Voz do Operário. O boletim da AFPP,  n.º4, de Fevereiro de 1947, releva a sua ligação ao Movimento de Unidade Democrática (MUD), à Associação Feminina Portuguesa para a Paz (1943) e ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas a que aderiu em 1945. Tem uma actividade intensa no ensino da música a crianças, nomeadamente voltada para o desenvolvimento de grupos corais infantis, dinamizados a partir dos movimentos de mulheres e outros a que pertencia e cujos ensaios eram feitos nas sedes dessas associações. No que respeita à sua actividade pedagógica, ela foi considerada um grande avanço educativo já que o ensino da música a crianças e, concretamente, o Canto Coral eram praticamente inexistentes nas escolas públicas. Francine Benoît esteve ligada a várias instituições, entre as quais a Escola Oficina nº1 de Lisboa, o Bairro Escola de Cascais, a Escola Madame Péchenard, o Jardim-escola João de Deus, a Associação Feminina Portuguesa para a Paz, A Voz do Operário e a Academia de Amadores de Música. Nesta última,  viria a desenvolver funções de direção artística, tendo colaborado ainda com o maestro Lopes Graça na Sociedade de Concertos SONATA desde a sua formação em 1942.
Francine Benoît iniciou a sua carreira num período em que a mulher era considerada essencialmente um ser emotivo destinado a um papel social de esposa e mãe. A experiência musical ou a capacidade crítica não eram considerados como papéis culturais para as mulheres. Sofia de Sousa Vieira, doutorada em Ciências Musicais pela Universidade de Salamanca, fez a sua tese de doutoramento sobre a vida e obra de Francine Benoît[2], onde justamente retrata a dimensão multifacetada desta figura do panorama musical do Séc. XX, que alia a um constante activismo feminista evocando o seu percurso no MDM. Sofia Vieira defende a tese de que Francine entendia a sua missão na arte como um aspeto da vida humana, coletiva e individual, inscrita na necessidade que o Homem tem de “conhecer e atuar, exprimir o seu conhecimento e a sua acção”[3].

Francine Benoît foi, de facto, uma destacada intelectual, progressista e lutadora pela emancipação das mulheres. Em 1980, no I Congresso do Movimento Democrático de Mulheres é eleita para o Conselho Nacional, revigorando o seu empenho na luta por ideais a que nunca renunciou. Reeleita em sucessivos Congressos deste Movimento a que pertenceu até à sua morte, recebeu a Distinção de Honra do Movimento Democrático de Mulheres em 1989. Antes porém, por ocasião do seu 90.ºaniversário, em 31 de Agosto de 1984, festejado na Casa do Alentejo, o discurso do MDM sublinhava a sua forma diferente de ver o mundo, a sua atitude de força e coragem, que era tão visível na sua criatividade. Calorosamente, Isaura Vieira[4], membro do Secretariado Nacional, terminava as suas palavras dizendo: “Francine contemplou-nos com a sua coerência – pois a sua arte foi uma via de emancipação para a mulher e para a conquista da paz e a democracia. Francine foi uma amiga, uma companheira que escolheu Portugal para viver e o tomou como seu”.

Mulher de aparência frágil, mas de grande resistência física, cujo olhar era uma mistura de expressão sonhadora e de ironia distante e um pouco triste, voluntariosa, não escondia por vezes algum desgosto pelas contrariedades que a tocavam na vida que  nem sempre lhe foi fácil. Como professora e compositora, contribuiu indelevelmente para a formação musical da geração futura e não passou despercebida na história musical do País[5]. Francine é tida por uma mulher de causas e opositora ao regime fascista, regime que lhe vedou o acesso a cargos público. Em 1932, candidata ao Conservatório, ganha o concurso que será anulado dada a sua posição politica de coerência antifascista. Entre os anos 1933 e 1955, período de grande pressão da ditadura sobre a comunicação social, Francine Benoît colaborou na imprensa generalista e também na imprensa feminista, desafiando o silenciamento que a censura procurava impor. Colaborou no Jornal Magazine da Mulher dirigido por Lília da Fonseca, na revista Os nossos filhos, de Maria Lúcia Namorado e ainda na Eva, revista feminina dirigida às mulheres portuguesas. Escreveu também para outras publicações, como A Seara Nova, Gazeta Musical, O Diário, A Capital e Vértice, sobre temas musicais e culturais, vocacionados tanto para o público infantil como para públicos diversos. Para além da actividade jornalística, desenvolveu actividades paralelas como conferencista em varias instituições como a Universidade Popular, Asilo Escola António Feliciano de Castillo, Voz do Operário, Emissora Nacional, Academia de Amadores de Música, Instituto de Música de Coimbra, Academia de Música de Coimbra, Faculdade de Letras de Coimbra, Salão do Conservatório Nacional de Lisboa.

Foi agraciada, a título póstumo, com a Ordem da Liberdade, em reconhecimento do seu percurso de vida. Indubitavelmente, Francine pôs a sua arte e a sua criatividade ao serviço da emancipação da mulher, da paz e da luta pela democracia. Foi reconhecida na Toponímia de Odivelas, Seixal, (Fernão Ferro) e Almada (Caparica) e assim ficará também na memória territorial do nosso País.

[1] Palavras de Francine Benoît em Helena Neves, Revista Mulheres, Março 1990, p.57.

[2] Sofia de Sousa Vieira, Nocturno y Fantasia, Vida y Obra Musical de Francine Benoît, Tropelias&Companhia, Porto, 2012

[3] Ibidem, p. 24

[4] Arquivo MDM

[5] Nuno Barreiros, Boletim de Educação Musical, Abril/Junho, nº65, p.15.  Mariana Calado Carvalho estuda também a sua obra na Dissertação de Mestrado em Ciências Musicais, com o título Francine Benoit e a cultura musical em Portugal : estudo das críticas e crónicas publicadas entre 1920’s e 1950 , defendida na UNL, em 2010.

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